quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O GOVERNO JK (1956-60)

O estilo JK era sofisticado, já que conseguia conciliar generosidade, elitismo e oportunismo, segundo o historiador Edgard Carone.
Ao modelo desenvolvimentista, Edgard frisa que JK via a “... relação país desenvolvido/país subdesenvolvido como uma relação de ‘inferioridade’ e não de exploração. Noutras palavras, era dada maior ênfase, portanto, ao discurso sobre ‘desenvolvimento’ do que ao discurso sobre ‘nacionalismo’”.
Passada a crise da posse, JK viajou para o exterior no início de 1956 em busca de apoio internacional. Foram vinte dias apressados pelos grandes centros econômicos durante os quais demonstrou pela primeira vez, enquanto Presidente, em escala internacional os seus dons de sedução.
Para JK, capitais estrangeiros seriam bem-vindos. Nesse sentido, a melhor maneira de combater o comunismo seria enfrentar a miséria com prosperidade e não com repressão. Portanto, JK demonstrava ser um profundo “anticomunista”.
Para a historiadora Marly Rodrigues, o governo JK tinha um novo estilo que fora denominado como Bossa-nova. O desenvolvimentismo foi a sua marca registrada. Para ela, JK foi o agente catalisador do período de efervescência que se delineava nos anos 50 do século passado no aspecto sócio-cultural e teria o seu ponto alto nos anos 60, também do século passado.
Ainda segundo Marly, o discurso desenvolvimentista, na verdade, representava a síntese do imbróglio social daquele momento, que se desaguava no populismo puro e simples.
Marly enfatiza a colocação da socióloga Miriam Limoeiro Cardoso segundo a qual, “o desenvolvimentismo é a ideologia que propõe ‘mudar dentro da ordem para garantir a ordem’. Concretamente isto significa mudar dentro do sistema capitalista para garantir o objetivo último que é o desenvolvimento capitalista do Brasil”.
Para o historiador LincolnPenna, o suporte intelectual da ideologia desenvolvimentista se deu a partir do “grupo de Itatiaia” - uma alusão ao lugar em que se encontravam, ou seja, o Parque Nacional do Itatiaia - que mais tarde dá origem ao Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política – IBESP - e que, por sua vez, dá origem ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e do Fórum “Roberto Simonsen” ligado a Federação das Indústria do Estado de São Paulo - FIESP. O primeiro ISEB concebia que estava representando parcelas da população que não estavam inseridas na ação governamental, já o segundo Fórum “Roberto Simonsen” ... se autodefiniam como porta-vozes da Nação.
Para Marly, é evidente que dadas as contradições internas do governo JK a partir de sua base de sustentação (PSD/PTB e militares), o estilo populista esbarraria em dificuldades e contradições enormes como a necessidade de internacionalizar a economia do país ao mesmo tempo em que havia um forte nacionalismo oriundo de seu próprio estilo populista. A esse respeito, a consubstanciação do nacional-desenvolvimentismo vai se dar através da construção da nova capital federal - Brasília - o que, na expressão da socióloga Maria Victória Benevides, representava a “a meta-síntese”.
Para Edgard, a despeito da oposição udenista em relação à construção de Brasília, JK conseguiu conquistar a simpatia e o apoio de vários segmentos da sociedade brasileira tais como: empresários, líderes sindicais, parcelas da esquerda, estudantes, intelectuais...
Ainda segundo Edgard, JK, como um sagaz, prestigia em muito o Congresso Nacional. Dessa maneira, a prerrogativa de veto presidencial foi exercida com muita precaução e moderação: dos projetos aprovados pelo legislativo, o presidente vetou apenas entre 3% a 5% nos anos de 1958 e 59.
Para Marly, “o qüinqüênio JK significou a entrada do Brasil na fase de produção e consumo de bens duráveis, sem que isso significasse uma transformação efetiva das relações políticas entre os diversos setores de classe e entre as classes”.
Penna coloca que a política econômica e financeira do governo JK serviu como mote para que passasse a haver um período de grande discussão na sociedade brasileira acerca da inserção do capital estrangeiro e do capital nacional. Essa situação, a meu ver, não acontecia somente no Brasil, mas também em escala internacional naquela conjuntura do Pós-Guerra, do “Plano Marshall” para a reconstrução da Europa...
Ainda segundo Penna, para alguns analistas, e ele não cita nenhum, o governo JK era forte politicamente, mas fraco institucionalmente. Essa situação era fruto de políticas populistas onde os governantes articulavam diretamente com as massas, prescindindo, assim, das organizações sócio-econômicas e políticas.
Citei, a partir dos autores analisados, um pouco das raízes do nacional-desenvolvimentismo. Mas quais as raízes do nacionalismo brasileiro vigente naquele momento em que JK governava o país? A resposta pode estar no estilo de governo de Getúlio Vargas nos anos 30, através da criação de empresas públicas para fortalecer o Estado: Companhia Siderúrgica Nacional-CSN, Conselho Nacional do Petróleo-CNP e, posteriormente, a Petróleo Brasileiro S.A-PETROBRÁS, bem como a “Centrais Elétricas” Brasileira-ELETROBRÁS. A intenção de Vargas era fortalecer o Estado e, consequentemente, o seu governo e criar, assim, um “caldo de cultura” em torno de si, enquanto líder. O nacionalismo, então, era o melhor caminho. Há, ainda, a colocação de Carone de que quando terminou “... a segunda Guerra Mundial, os capitais internacionais eram aplicados nos Estados Unidos e na Europa e destinavam-se basicamente à indústria militar e aos ramos a ela ligados. A produção desses países atendia assim quase exclusivamente às necessidades de seus próprios mercados. Tal situação iria favorecer , nas décadas de 30 e 40, a expansão industrial do Brasil em bases dominantemente nacionalistas”.
Marly Rodrigues afirma que através do “... lema ‘cinqüenta anos em cinco’, no qual baseou a campanha, JK estabeleceu o seu programa de governo. Durante a primeira reunião de ministros, em fevereiro de 1956, ele expôs o Plano de Metas e instituiu um órgão de controle da economia, o Conselho de Desenvolvimento, integrado por ministros, chefes do Gabinete Civil e Militar e pelos presidentes do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico”.
Para Marly, o descompasso entre o crescimento industrial e a pobreza reinante em vastas regiões do país, sobretudo no campo, estava dentro da gênese do desenvolvimento nacional. “Presente nos discursos de JK e nos principais documentos do governo, a ideologia desenvolvimentista teria grande influência na história política do país. Não só funcionou como poderoso instrumento dos interesses industriais contra os agrários tradicionais, como durante muito tempo, influenciou grande parte das análises sobre a sociedade brasileira”.
Segundo os ideólogos do desenvolvimentismo, o atraso e a pobreza do país deviam-se, sobretudo, à ainda forte participação do setor agroexportador na economia brasileira, e não à situação de dependência econômica e política a que estava submetida toda a economia. Em consequência, deduziam, bastava industrializar o país para resolver todos os seus grandes problemas.
A internacionalização da economia brasileira no governo JK foi considerável. Numa palavra, no final de seu governo, quase a metade das 66 empresas de maior concentração de capital estava nas mãos dos estrangeiros.
Devido às emissões de dinheiro para financiar os investimentos do Estado na economia, a inflação começa a se tornar um problema para JK. Pressionado pelos credores internacionais, através do Fundo Monetário Internacional-FMI, para que controlasse a inflação, JK, de olho nas eleições presidenciais de 1965, rompe com aquele organismo. Nesse sentido, JK transferiu o problema inflacionário bem como o da dívida externa para o futuro Presidente.
Segundo o cineasta Sílvio Tendler, durante os anos JK, o Brasil teve a ilusão da confiança, o desejo de se internacionalizar, a vontade de se descobrir (Bossa Nova), Bienais abstratas. A conquista da Copa do Mundo de 1958 fez com que nosso destino fosse encarado como o melhor em tudo.
Para o cineasta, JK nunca desrespeitou a lógica da Guerra Fria. Para JK, os EUA só se interessariam pela América Latina caso o Brasil fosse contra o socialismo/comunismo.
Tendler coloca que JK começou a se despedir do poder no auge de sua popularidade. O seu maior orgulho era ter mantido o regime democrático a despeito dos esforços em contrário. JK conseguiu realizar o inacreditável feito de ter convencido a todos que a democracia no Brasil estava consolidada.
Já Penna coloca que no final do governo JK, ficava evidenciado pela articulação política, com vista a eleição de 1960, uma vantagem do projeto nacional-desenvolvimentista em detrimento do projeto internacionalizante.
A crítica que se fazia ao desenvolvimentismo de JK, segundo Edgard Carone, no final de seu governo, era de que o mesmo havia privilegiado os setores de bens de capital e de bens duráveis, estes últimos favorecendo essencialmente parcelas reduzidas da sociedade, o que o tornava altamente concentrador de renda. Somando-se a isso, havia uma inflação de 25% que penalizava, sobretudo, as camadas intermediárias de baixa e média renda bem como as classes trabalhadoras.
Finalizando, ainda segundo Carone, a articulação da insatisfação desses setores com a “... oposição já antiga de grupos agrários exportadores e importadores e camadas médias conservadoras (a UDN), seria decisiva para a eleição, pela primeira vez, de um candidato fora do esquema dominante”.