A
miscigenação da sociedade brasileira sempre foi vista por alguns antropólogos e
sociólogos como um aspecto negativo da sociedade brasileira. O Jesuíta André João Antonil, estudioso
da área, já analisava no século XVIII que a mistura das raças traria grandes
problemas para a nação brasileira. Posteriormente, para teóricos como Nina
Rodrigues, no século XIX, a
tendência da sociedade brasileira era tornar-se “parda”. Dessa forma, as
“qualidades” da “raça” branca tenderiam a ser reduzidas, já que o cruzamento
com a “raça” negra, de “qualidade” inferior, haveria um nivelamento por baixo
de nossa sociedade. Nina tentava demonstrar, por A mais B, que isso era uma
tendência irreversível. Para tanto, afirmava que a inferioridade do negro era
genética.
Para
situar a questão racial do ponto de vista esquemático, no Brasil temos uma
triangulação entre o branco, o negro e o mulato. Nos EUA, há apenas uma relação
dual, ou seja, entre brancos e negros. Nesse sentido, se, no Brasil, temos o
fenótipo cor como demarcação social, nos EUA, temos fenótipo genético, ou seja,
basta ter o sangue de negro para ser caracterizado como tal, independentemente
se é, na aparência, branco.
Roberto
DaMatta, antropólogo brasileiro, é um grande analista da questão do mosaico
racial brasileiro. Assim, afirma que o aspecto fundamental nesse estudo é a
intermediação entre as “raças” branca, negra e índia. DaMatta, no livro “O que
faz brasil, Brasil”, procura “... discutir os caminhos que tornam a sociedade
brasileira diferente e única, muito embora esteja, como outros sistemas sociais,
também submetida a certos fatores sociais, políticos e econômicos comuns. Nesse
sentido, concorda com Otávio Paz, autor do livro Labirinto da Solidão e Post-Scriptum,
que escreveu: “Alguns acham que todas as diferenças entre os norte-americanos e
nós são econômicas, isto é, que eles são ricos e nós somos pobres, que nasceram
na democracia, no capitalismo e na Revolução Industrial e nós nascemos na
Contra-Reforma, no monopólio e no Feudalismo”.
Como
se vê, o estudo das etnias ou “raças” foi um grande desafio para os
antropólogos desvendarem o que subjazia, em certos aspectos “sui generis”, à
alma brasileira.
A
criação da famosa expressão “jeitinho brasileiro” foi um produto dessa relação entre
as etnias do povo brasileiro. Num largo espaço de tempo, o termo sempre foi
eivado de um caráter pejorativo. Afinal, o “jeitinho brasileiro” era sinônimo
do livre trânsito de pessoas dotadas de bastante influência nos círculos
sociais detentores de poder ou, ainda, de pessoas dotadas do famoso “jogo de
cintura”. Na verdade, mais do que isso, representava a insubordinação às regras
sociais. Nesse sentido, toda maracutaia do tipo “Gersoniana”, expressa, por
exemplo, numa antiga propaganda de cigarro “leve vantagem você também”, era
incluída no “jeitinho brasileiro”. Assim, essa “qualidade” do povo brasileiro
contrastava com o estilo sisudo do povo de origem germânica, que era tido como
um exemplo a ser seguido por qualquer povo que quisesse alcançar desenvolvimento
e cidadania plena.
O “jeitinho brasileiro” tem
perdido espaço em tempo de uma grande marcha em favor do sentimento de
cidadania. A propósito, tempos atrás, mais precisamente em 18 de abril de 1999,
o jornal americano “The New York Times” publicou uma matéria onde o “jeitinho
brasileiro” era elogiado do ponto de vista econômico. Naquele artigo, o
jornalista Simon Romero elogiava a pujança da sociedade brasileira em termos de
capacidade em encontrar soluções inteligentes para se safar das crises
financeiras que assolavam o país. O famoso “jogo de cintura” fazia com que o
país se sobressaísse em tempos de dificuldade burocráticas e financeiras nos
grandes períodos de recessão.
De
repente, o mundo começava a ver que havia um país abaixo da linha do Equador
que tinha um estilo muito peculiar e atrativo em relação às respostas dadas à
sociedade em tempo de crises. Para tanto, “pai da matéria” em antropologia, Roberto DaMatta
explicou que essa capacidade do povo brasileiro “... propicia mais espaço para
negociações”. Em outros termos, “é uma ponte entre dois mundos”. “Um no qual
dominam os velhos métodos e o senso comum e outro no qual a nova estrutura da
sociedade não é justa ou racional”, completava o antropólogo.
Essa
característica brasileira é o que poderíamos chamar de tecnologia
“genuinamente” nacional na área de relações humanas. Portanto, um “know how”
tupiniquim que poderia assombrar os asiáticos, europeus e norte-americanos.
Segundo o jornal americano, muitas empresas brasileiras começaram a adotar o
“jeitinho brasileiro” como técnica de sobrevivência ante as imensas crises
econômicas do país.
O
estilo de atuar do povo brasileiro, que antes era um “patinho feio” consubstanciado
no “Jeitinho brasileiro”, pode se tornar uma inovação nas relações humanas. O
grande paradigma no estilo chinês, onde são conciliadas a economia de mercado
com uma vasta burocracia autoritária chamada de “socialista”, juntamente com um
grande território, um grande e poderoso exército e uma população com mais de um
bilhão e meio de pessoas pode, em futuro breve, tornar-se obsoleto.
Luiz Fernando da
Silva