quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O “JEITINHO BRASILEIRO” É UMA “SOLUCIONÁTICA”?

                             A miscigenação da sociedade brasileira sempre foi vista por alguns antropólogos e sociólogos como um aspecto negativo da sociedade brasileira. O Jesuíta André João Antonil, estudioso da área, já analisava no século XVIII que a mistura das raças traria grandes problemas para a nação brasileira. Posteriormente, para teóricos como Nina Rodrigues, no século XIX, a tendência da sociedade brasileira era tornar-se “parda”. Dessa forma, as “qualidades” da “raça” branca tenderiam a ser reduzidas, já que o cruzamento com a “raça” negra, de “qualidade” inferior, haveria um nivelamento por baixo de nossa sociedade. Nina tentava demonstrar, por A mais B, que isso era uma tendência irreversível. Para tanto, afirmava que a inferioridade do negro era genética.

                            Para situar a questão racial do ponto de vista esquemático, no Brasil temos uma triangulação entre o branco, o negro e o mulato. Nos EUA, há apenas uma relação dual, ou seja, entre brancos e negros. Nesse sentido, se, no Brasil, temos o fenótipo cor como demarcação social, nos EUA, temos fenótipo genético, ou seja, basta ter o sangue de negro para ser caracterizado como tal, independentemente se é, na aparência, branco.

                            Roberto DaMatta, antropólogo brasileiro, é um grande analista da questão do mosaico racial brasileiro. Assim, afirma que o aspecto fundamental nesse estudo é a intermediação entre as “raças” branca, negra e índia. DaMatta, no livro “O que faz brasil, Brasil”, procura “... discutir os caminhos que tornam a sociedade brasileira diferente e única, muito embora esteja, como outros sistemas sociais, também submetida a certos fatores sociais, políticos e econômicos comuns. Nesse sentido, concorda com Otávio Paz, autor do livro Labirinto da Solidão e Post-Scriptum, que escreveu: “Alguns acham que todas as diferenças entre os norte-americanos e nós são econômicas, isto é, que eles são ricos e nós somos pobres, que nasceram na democracia, no capitalismo e na Revolução Industrial e nós nascemos na Contra-Reforma, no monopólio e no Feudalismo”.

                            Como se vê, o estudo das etnias ou “raças” foi um grande desafio para os antropólogos desvendarem o que subjazia, em certos aspectos “sui generis”, à alma brasileira.

                            A criação da famosa expressão “jeitinho brasileiro” foi um produto dessa relação entre as etnias do povo brasileiro. Num largo espaço de tempo, o termo sempre foi eivado de um caráter pejorativo. Afinal, o “jeitinho brasileiro” era sinônimo do livre trânsito de pessoas dotadas de bastante influência nos círculos sociais detentores de poder ou, ainda, de pessoas dotadas do famoso “jogo de cintura”. Na verdade, mais do que isso, representava a insubordinação às regras sociais. Nesse sentido, toda maracutaia do tipo “Gersoniana”, expressa, por exemplo, numa antiga propaganda de cigarro “leve vantagem você também”, era incluída no “jeitinho brasileiro”. Assim, essa “qualidade” do povo brasileiro contrastava com o estilo sisudo do povo de origem germânica, que era tido como um exemplo a ser seguido por qualquer povo que quisesse alcançar desenvolvimento e cidadania plena.

                            O “jeitinho brasileiro” tem perdido espaço em tempo de uma grande marcha em favor do sentimento de cidadania. A propósito, tempos atrás, mais precisamente em 18 de abril de 1999, o jornal americano “The New York Times” publicou uma matéria onde o “jeitinho brasileiro” era elogiado do ponto de vista econômico. Naquele artigo, o jornalista Simon Romero elogiava a pujança da sociedade brasileira em termos de capacidade em encontrar soluções inteligentes para se safar das crises financeiras que assolavam o país. O famoso “jogo de cintura” fazia com que o país se sobressaísse em tempos de dificuldade burocráticas e financeiras nos grandes períodos de recessão.

                            De repente, o mundo começava a ver que havia um país abaixo da linha do Equador que tinha um estilo muito peculiar e atrativo em relação às respostas dadas à sociedade em tempo de crises. Para tanto,  “pai da matéria” em antropologia, Roberto DaMatta explicou que essa capacidade do povo brasileiro “... propicia mais espaço para negociações”. Em outros termos, “é uma ponte entre dois mundos”. “Um no qual dominam os velhos métodos e o senso comum e outro no qual a nova estrutura da sociedade não é justa ou racional”, completava o antropólogo.

                            Essa característica brasileira é o que poderíamos chamar de tecnologia “genuinamente” nacional na área de relações humanas. Portanto, um “know how” tupiniquim que poderia assombrar os asiáticos, europeus e norte-americanos. Segundo o jornal americano, muitas empresas brasileiras começaram a adotar o “jeitinho brasileiro” como técnica de sobrevivência ante as imensas crises econômicas do país.

                            O estilo de atuar do povo brasileiro, que antes era um “patinho feio” consubstanciado no “Jeitinho brasileiro”, pode se tornar uma inovação nas relações humanas. O grande paradigma no estilo chinês, onde são conciliadas a economia de mercado com uma vasta burocracia autoritária chamada de “socialista”, juntamente com um grande território, um grande e poderoso exército e uma população com mais de um bilhão e meio de pessoas pode, em futuro breve, tornar-se obsoleto.



Luiz Fernando da Silva

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

“Eu não ligo para o que os outros pensam a meu respeito!” Será...???



A consciência é um fenômeno complexo e intrigante. Talvez, a ela estejam relacionados os maiores problemas da história da Filosofia, da Psicologia e das chamadas Neurociências.
O que é a consciência? Qual a sua relação com o cérebro? Ela é produto do cérebro ou ela produz o cérebro? Se ela for produto do cérebro, como este a produz? A consciência cria o mundo ou ela reflete o mundo em que vivemos? O mundo existe sem a consciência? Com a morte do corpo, a consciência sobrevive ou é com ele extinta? Quais são os limites da consciência? Ela tem limites? Todas essas são questões de grosso calibre e, na tentativa de respondê-las, diversas escolas de filosofia e psicologia foram fundadas.
O debate sobre as questões envolvendo a consciência continua vigoroso. É comum vermos na mídia reportagens sobre o tema. Revistas especializadas e de divulgação científica, programas de televisão, inúmeros livros, séries e documentários comumente tratam da temática da consciência. Todavia, mesmo sendo tão amplamente abordada em estudos e discussões, a consciência ainda guarda seus mistérios, ou, melhor dizendo, ela ainda, em muitos sentidos, consiste num grande enigma a ser desvendado por cientistas e filósofos. Mas, sobre isso, conversaremos em outra ocasião. Hoje, iremos falar sobre um outro aspecto da consciência, um aspecto mais relacionado à psicologia.
O filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, em seu livro Os sete saberes necessários à Educação do Futuro introduz o aspecto da consciência do qual iremos tratar. Citando Marx, afirma Morin que “os produtos do cérebro humano têm o aspecto de seres independentes, dotados de corpos particulares em comunicação com os humanos e entre si”. E ele completa: “as crenças e as ideias não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm vida e poder. Dessa maneira, podem possuir-nos”.
Essas citações feitas pelo pesquisador francês mencionado fazem referência a um aspecto da fenomenologia da consciência, ou seja, elas falam de algo que acontece com a consciência como ela se nos apresenta, da maneira como a experimentamos. Esse aspecto é a independência que nossas crenças parecem ter sobre nós mesmos em muitas ocasiões. Aqui, a análise que está sendo feita diz respeito ao modo como nós, seres humanos, experimentamos nossa consciência e sobre os efeitos dessa experiência sobre nós mesmos. Enfim, estamos falando de psicologia, mesmo considerando que a noção de independência das ideias tenha implicações sociológicas e filosóficas.
Mas, o que tem haver a alegada independência de nossas crenças e ou ideias como o título deste artigo? Muita coisa. É comum afirmarmos que não nos importamos com o que as pessoas dizem, que não estamos nem aí pra isso. Mas, será que não mesmo? Será que somos capazes de não atribuirmos nenhum valor ao que as pessoas pensam sobre nós? Será que somos capazes de sermos totalmente livres da opinião dos outros?
De fato e sem rodeios, preocupamo-nos sim com o que as pessoas irão dizer ou pensar sobre nós. Isso, inclusive é um dos pilares do contrato social, sem o qual a vida em sociedade seria inviabilizada. Ou seja, temos em nós a crença de que devemos nos comportar dessa ou daquela maneira para termos a aprovação de nossos pares ou de determinadas pessoas ou para que elas não pensem isso ou aquilo de nós. Isso pode ser verificado num ato de carinho para com um amigo ou para com a pessoa amada, no respeito à propriedade alheia, no tato que temos em nossos contatos sociais e por aí vai. Se não tivéssemos a desagradável sensação causada pelo constrangimento que surge diante de uma reprovação feita por outra pessoa sobre os nossos comportamentos, as coisas seriam bem diferentes. Com certeza! Dizem os entendidos que os psicopatas não têm esses constrangimentos. Aí, dá pra se ter uma noção de como as coisas seriam em um mundo onde ninguém se importasse com o que as pessoas vão dizer ou pensar umas das outras...
No entanto, há extremismos patológicos. Em termos clínicos, muitas psicopatologias graves como depressão e transtornos de ansiedade estão relacionadas à preocupação exagerada com a avaliação de terceiros. Muitas pessoas adoecem devido ao medo paralisante que sentem diante da opinião de outras pessoas sobre elas. Algumas ficam completamente paralisadas somente com a possibilidade de virem a ser avaliadas pelos outros. E não estamos falando aqui de avaliações complexas não. “O que irão dizer da minha roupa?” “O que irão pensar da minha aparência, do meu modo de andar e de falar?” “O que irão achar das minhas idéias?” “O que vão pensar de mim se eu falar a verdade ou der a minha opinião sincera?” “Será que me considerarão burro, feio, inadequado?”. “Se eu for espontâneo, será que irão me excluir ou pensarem que sou chato e estraga-prazeres, do contra, encrenqueiro?”.
O jogo social não é fácil. Parece que vivemos em uma luta constante entre agradar as pessoas e satisfazer-lhes as necessidades e sermos agradáveis conosco mesmos e satisfazer nossos interesses. Ocorre que, às vezes, as nossas crenças adquirem uma independência patológica. Nesse caso, elas, como bem disse Morin, passam a nos possuir. No entanto, a posse da qual estamos aqui falando é aquela destrutiva e incapacitante. Quando o juízo que as pessoas irão fazer de nós se torna um fardo excessivo, algo angustiante e acompanhado de muita ansiedade; quando deixamos de frequentar certos lugares por medo de sermos avaliados; quando evitamos pessoas para que elas não nos avaliem, podem ser sinais de que as coisas não estão indo bem. Nesses casos, nossas crenças ou ideias podem estar se tornando destrutivas para nós mesmos. Aqui, cabe uma questão: como ou quando as nossas crenças ou ideias tornam-se destrutivas ou patológicas? Elas se tornam destrutivas ou patológicas quando não percebemos que elas não são seres independentes de nós mesmos, como se fossem homúnculos que estão dentro da nossa cabeça. Nossas crenças nos corroem e incapacitam quando perdemos a capacidade de questioná-las, de debatermos com elas.
Preocupamo-nos sim com o que os outros pensam ou irão pensar sobre nós. É natural e necessário que seja assim. No entanto, essa preocupação não deve perder de vista a relatividade do que pensamos. Nossas crenças e ideias resultam da nossa interação com o mundo. O mundo transforma-se constantemente. Também nós devemos ficar atentos para que nossas crenças e ideias não se solidifiquem e se tornem obstáculos para a nossa vida social e também para a nossa satisfação e contentamento pessoal.

João Paulo Braga Floriano

domingo, 18 de agosto de 2013

O INVERNO QUENTE NAS RUAS DO BRASIL



              O Brasil teve um inverno bem quente nas ruas do país neste ano com o grande Movimento de Contestações. Embora ainda estejamos no calor desta manifestação, mas já dá para dar umas pinceladas sobre este Movimento.
              Os vinte centavos do aumento da passagem de ônibus em São Paulo tornaram-se o grande mote das manifestações que deixaram a “intelligentzia” do país atônita e, até prosaicamente, este articulista. Afinal, se alguém do estrangeiro perguntasse, um dia antes de o movimento ser iniciado, ao governante de plantão, “como está o seu país?”, a resposta certamente seria:  “tudo como dantes no quartel de Abrantes”, frase muito utilizada pelo então deputado Ulysses Guimarães, que faleceu em 1992, em suas respostas sobre as quantas iam o trabalho na Câmara dos Deputados.
              Resposta errada. Um turbilhão de manifestação eclodiu pelas principais cidades do país e esquentou o inverno e as cabeças da elite pensante e também dos governantes. Embora ainda haja focos de manifestações, o grosso do movimento de certa forma se esvaiu. Afinal, o que queriam aqueles manifestantes oriundos de todas as classes sociais? Exigir a adoção do passe livre para estudante no transporte urbano? Desestabilizar o governo central? Desestabilizar os governos estaduais e municipais oriundos de vários partidos? Acabar com o sistema representativo eleitoral atual? Retirar da presidência do Senado Federal o condenado presidente? Dar um basta a tanta corrupção governamental? Fiz o recorte destas questões dentre as várias abordadas pelo movimento das ruas, para efeito de análise, já que o movimento era mais amplo em suas reivindicações.
              O grande historiador inglês Eric Hobsbawm, num magnífico artigo, publicado pela Folha de S. Paulo em 12/11/90, sobre a queda do Muro de Berlim em 1989, colocava como título: “1989, o que sobrou para os vitoriosos”. Nesse artigo, analisava, ainda no calor da derrocada do socialismo real, os aspectos nada vangloriosos para os que se achavam vitoriosos. Em síntese apertada, dizia que somente os países ricos podiam comemorar. Mas, num curto espaço de tempo, tendo em vista o recrudescimento social que adviria da “Queda do Muro de Berlim” em 1989.
              O Movimento Passe Livre – MPL - foi, inicialmente, a centelha dos protestos. Contudo, o Movimento de Protestos acabou tomando vários rumos no ideário e ação pelas maiores cidades do país.
              O curioso era que as reivindicações eram muito variadas. Desde a implantação de Passe Livre no transporte público urbano à queda de Renan Calheiros da presidência do Senado, passando pelas reivindicações dos homossexuais, das feministas... E isso deixou confuso o Movimento em suas reivindicações no sentido de captar o que de fato movia tanta rebeldia. Como não havia uma liderança ou lideranças de peso nos moldes tradicionais de se reivindicar, tornou-se difícil o diálogo com as instituições criticadas negativamente por ele.
              Num arroubo de militância de outrora, Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores - PT convocou, no calor das manifestações do MPL, os militantes do partido para também se embrenharem nas ruas. Dizia ele que o movimento não era estranho ao PT.
              Ledo engano. As manifestações são e eram totalmente estranhas ao PT. Eram estranhas também aos demais partidos. Mas o PT sempre teve, quando na oposição, um histórico de participação nos movimentos sociais reivindicatórios.
              Dizer, exatamente, o que o Movimento queria, à exceção do Passe Livre, é fazer um exercício mental temerário. Contudo, havia um fio condutor nas manifestações: a necessidade das instituições governamentais e sociais de terem canais mais efetivos na busca de soluções para os problemas do país.
              Se no passado recente, havia o PT, a Central Única dos Trabalhadores - CUT, MST e seus congêneres para fazer este papel, atualmente não há instituições que façam esse trabalho de mediar os conflitos governo/sociedade civil.
              E isto se deu porque houve um aliciamento dessas lideranças, nos últimos dez anos, para fazerem parte do governo federal a preço de nobres cargos rentáveis. Esta atuação deixou a sociedade civil sem válvula de escape para os desmazelos da República em todos os seus níveis de governo. Se esta estratégia funcionou por um período, é claro que não funcionaria para sempre. A história é sempre traiçoeira com aqueles que acham que a dominam. Vejo que esta “doce” estratégia petista de calar os movimentos sociais foi um dos estopins para a eclosão das diversas reivindicações do Movimento de Contestação. Mas ele não era só contra o PT, era contra toda forma de administrar o bem público. Era contra os governadores estaduais de diferentes partidos como PSDB, PMDB...
              Outro grande problema que contribuiu para a rebeldia das ruas foi o fato de o Congresso Nacional ter se tornado uma espécie de “puxadinhodo Palácio do Planalto. Decorrente disto, a interlocução do Congresso com a sociedade ficou ainda mais capenga. É bem verdade que o Congresso é sempre muito pusilânime na mediação com a sociedade civil. Contudo, até esse aspecto covarde praticamente deixou de existir nos últimos anos.
              Sobrou para a imprensa a tarefa de contestar o estado de coisas que assolam a República. Contudo, a imprensa também se prima pela parcialidade. Sempre funcionou e funciona na base de interesses corporativos. E esta é também a razão dela ser objeto de repúdio pelo Movimento de Contestação e ser chamada pelos adeptos do governo central de “Partido da Imprensa Golpista” – PIG. Entretanto, os adeptos do atual governo tem certa razão em repudiá-la. Afinal, ela se tornou o último refúgio de alerta contra as vicissitudes do poder.
              Ora, a imprensa, esta mesma que deu amplo destaque ao Novo Sindicalismo, ao nascimento do PT, que servia de base para as denúncias contra os governos anteriores, é agora chamada de golpista. Ela sempre foi o que é: atua nos interesses de quem paga mais. Ela também não era tão boazinha para os governos anteriores e nem por isso era chamada de golpista. Mas, via de regra, a grande imprensa é muito mais a favor dos governos de plantão do que contra.
              O Movimento de Contestação ficará para história como uma quebra de paradigma na concepção tradicional da política brasileira. Se, no passado recente, os partidos, sindicatos e movimentos sociais organizados reivindicavam o elo entre o governo e a sociedade, o Movimento de Contestação forneceu-nos uma nova forma de reivindicar os nossos direitos. Trata-se da reivindicação sem a mediação tradicional. Uma espécie de DEMOCRACIA DIRETA. Se houve excesso aqui ou acolá, são coisas menos onerosas do que manter uma casta de políticos que se elegem e, uma vez no poder, perdem a relação com a sociedade civil.
              Parafraseando Hobsbawm, o que sobrou, sobra ou sobrará para os vitoriosos após o inverno das ruas? Num exercício futurista, sobrará um país em que os jovens ousaram a enfrentar os poderes constituídos, propondo novas formas de mediações e interações. Eles não eram e nem são inocentes úteis. São corajosos e chacoalharam a roseira dos poderes constituídos, dando alento ao GIGANTE ADORMECIDO.
              Como herança, as instituições sociais representativas deverão se adequar aos interesses da sociedade de forma mais efetiva ou poderão ser engolidas, em breve, por novas rebeliões da sociedade civil.

Luiz Fernando da Silva

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

SOBRE O PENSAMENTO E A AUTONOMIA




Analistas dos costumes e dos comportamentos atuais, como o sociólogo polonês Zigmund Bauman, apontam para um fenômeno curioso sobre as tecnologias hodiernas de comunicação, especialmente sobre a internet. Segundo eles, os meios atuais de conexão entre as pessoas propiciam a elas estarem próximas de muitas outras pessoas. É possível, por exemplo, nas redes sociais, o estabelecimento de contato com pessoas que estão muito longe geograficamente, até com aquelas que estão em outros países. Quase todo mundo tem um computador com internet em casa, e é coisa rara, indício inclusive de perturbação mental, dizem os mais afoitos, a pessoa não ter email, facebook, skype e tantos outros por aí. Há ainda os iphones, ipads e androids da vida. Estes conferem mobilidade e versatilidade à conectividade.
Numa mesa de bar, numa reunião de amigos, num almoço em família, nas salas de espera e até nas salas de aula estão lá os plugados no mundo virtual (aqui, só pra não deixar passar a oportunidade, abramos este parêntese e digamos de passagem: como é chato e desagradável numa reuniãozinha de amigos, num bar, por exemplo, uma pessoa que está agarrada a um celular e não pára de olhar para ele e não pára de teclar e tira foto o tempo todo para postar no face). Ó céus! Pior ainda é quando ela fica chamando outras pessoas para virem participar do evento e passa o tempo todo assim. Para dizer o mínimo, acho uma atitude brega. Mas... paciência é o que resta numa hora dessas. Enfim, vivemos na era da comunicação. Estamos conectados quase o tempo todo.
Só que, de acordo com esses mesmos analistas - e aí reside o fato curioso que eles apontam, mesmo tão próximas, as pessoas estão cada vez mais isoladas. Como se vivessem em ilhas virtuais. O que se verifica é que a virtualização das relações, curiosamente, gera distância entre as pessoas. A regra é mais ou menos esta: quanto mais conectadas, mais encapsuladas e mais distantes as pessoas ficam umas das outras.
A internet tem o poder sim de conectar milhões de pessoas sem precisar do encontro físico e material entre elas. Só que, exatamente por isso, a realidade concreta torna-se prescindível, ela pode ser dispensada. Uma realidade virtual passa a vigorar nesse contexto. Esse mundo virtual trouxe um novo modo de relação entre as pessoas, marcado pelo fechamento sobre si mesmo e pela perda da necessidade do contato real, concreto entre os seres humanos. Tal situação de distanciamento entre as pessoas tem por consequência sentimentos de isolamento e solidão. Crescem os índices de depressão, transtornos de ansiedade e outras patologias do espírito. Fenômeno curioso mesmo esse. Curioso e complexo. Por isso, deixemo-lo para futuras elucubrações. Falei sobre ele a fim de dizer que, como em tudo na vida, nada é totalmente bom nem totalmente ruim.
A internet, com certeza, tem lá seus lados obscuros e perniciosos. No entanto, nela podemos encontrar coisas muito boas. Como exemplo disso - bajulação à parte - tomo a iniciativa do meu querido amigo Luiz Fernando em criar este espaço de veiculação de ideias. Sei de sua inquietação intelectual e também da sua ânsia pelo debate e pela troca de ideias, o que o legitima para ser o autor deste blog.
Se vivemos numa época de esvaziamento das relações entre as pessoas, vivemos também numa época marcada pela futilidade. É comum encontrarmos por aí, com destaque para as redes sociais, pessoas que levam suas vidas numa monotonia bovina, em cujas cabeças há muito não entra uma ideia nova e de cujas bocas só saem obviedades papagaísticas. Coisa triste. Quando não refletimos sobre a nossa condição e situação no mundo, outros irão fazer isso por nós. É batata! Irão mesmo! Aí, já conhecemos mais ou menos no que isso pode dar: expedientes fraudulentos, corrupção, farra com o dinheiro dos pesados impostos que pagamos, autoritarismos, desmandos e uma série de outras coisas do gênero. Sem falar nas besteiras que vamos fazendo ao longo da vida quando são os outros que pensam por nós, quando são os outros que nos governam e ditam inclusive as regras da nossa subjetividade. Geralmente pagamos um preço bem alto por delegarmos o pensamento a terceiros. É triste, mas acontece. E como! Por isso, seja bem-vindo este blog. Que ele possa ser um espaço de autonomia, porque somente quando pensamos é que somos autônomos.

JOÃO PAULO BRAGA FLORIANO
Psicólogo