quinta-feira, 8 de setembro de 2022

O BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E AS TERGIVERSAÇÕES ALHURES


As comemorações pelo Bicentenário de nossa Independência política foram um grande acontecimento para nós e para o mundo. Um espetáculo digno de um país civilizado. Sem badernas, sem bandeiras vermelhas, sem discursos de Pátria Grande. Enfim, falando de Brasil para os brasis, como diria o sociólogo Roberto DaMatta no livro “O que faz o brasil, Brasil.

Há, como em todo episódio da vida, leituras distintas sobre as comemorações de nosso Bicentenário. Esse aspecto é muito importante e enriquece o debate sobre a Independência do Brasil de Portugal demarcada na data de 07/09/1822.

Meu amigo de longa data, Evandro de Oliveira, o professor, com o qual tive o prazer de militar juntos em Belo Horizonte/MG, no Sindicato dos Profissionais em Processamento de Dados de Minas Gerais - SINDADOS-MG, discorre sobre o tema com visão diferente. Para ele não há o que se comemorar, haja vista que o referido episódio constituiu-se numa farsa. Para tanto, enumera cronologicamente em seu artigo sobre a Independência vários acontecimentos que, para ele, corroboram a sua tese.

Sobre este aspecto, tenho uma maneira diferente de açambarcar os acontecimentos históricos. Para mim, o mundo que existe é o do possível. As visões de mundo além disso constituem-se numa leitura teleológica. Numa palavra, algo que está no reino do devir.

Carlos Nelson Coutinho, escritor esquerdista, num revisionismo interessante, coloca que o termo democracia burguesa, utilizado pela esquerda, é equivocado. Noutras palavras, a democracia que existe é a do possível e teve, também, contribuição dos trabalhadores. Ele cita como exemplo o movimento dos trabalhadores no Cartismo na Inglaterra do século XIX. Mas para a esquerda, não há democracia no sentido universal. A democracia para a esquerda é a popular. Contudo, na gênese do pensamento socialista há algo fundamental para sucesso do poder numa dada sociedade: a ditadura do proletariado. Ora, ditadura não é democracia. Assim, é risível quando se vê um esquerdista falar em democracia e em defendê-la contra o fascismo, entendido algo burguês. A forma de governar da esquerda é essencialmente fascista! E a história corrobora isso.

Sobre os arranjos possíveis, tem-se como exemplo a Austrália, que teve uma colonização muito pior que a nossa. Para lá eram enviados toda sorte de bandidos da Inglaterra. Será que a Austrália deve considerar a sua independência como farsa, também? Afinal, certamente, os arranjos pela independência acolá foram tratados por bandidos e ex-bandidos.

O amigo Evandro fala em revisar a história para colocar uma espécie de pingos nos is, como entendi. Ora, a quem interessa a revisão e quem a fará? Será o grupo que venera personagens como Marielle Franco, Zumbi dos Palmares, Marighella, Che Guevara ou o grupo que venera Machado de Assis, Tiradentes, D. Pedro I e aquela jovem professora Heley de Abreu Silva Batista?

A história de nosso país e seus arranjos nos acontecimentos turbulentos deram-se dentro do possível naqueles momentos. As análises de hoje sobre os episódios de nossa história, longe do calor daqueles acontecimentos, tornam-se fáceis. O mundo que existe é o mundo do possível. Deveria ser diferente? Depende do espectro político a que o analista esteja inserido.

Peguemos o exemplo de Ernesto “Che” Guevara: é um ídolo ou um trapaceiro e assassino? Para alguns analista não há dúvida alguma: trata-se de um ídolo, ícone de luta contra o imperialismo capitalista. Esse enredo foi construído pela esquerda Latino-americana. É farsa ou não? Depende do analista. Para mim, uma farsa.

Assim, percebo que no artigo do ilustre amigo Evandro há no seu pensamento um desmerecimento pelo Bicentenário, vez que: se não houve nem independência, como haver bicentenário da mesma?

Ocorre que o pensamento de uma banda do espectro político não aceita os arranjos possíveis para os acontecimentos históricos. Para essa banda, o mundo deveria corresponder aos anseios deles de perfeição. Esse aspecto beira à visão de mundo religiosa cristã-ocidental. Tudo deve corresponder a uma lógica humanista e popular, com a minha desculpa se soa redundante. A propósito, o historiador Nelson Werneck Sodré perguntaria sobre isso: o que é povo? Povo para a esquerda não é aquele mundaréu de pessoas que estiveram no dia 07/09/2022 em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro... Povo para a esquerda tem que ser aquele que defende as suas ideias. Que balance bandeiras vermelhas. Do contrário, é massa de manobra, gado, fascista e, finalmente, uma horda de imbecis. Contudo, nos países dominados pela visão de mundo esquerdista, nunca houve povo. Só há súditos da intelligentsia. Da vanguarda. Só é permitido falar bem do governo de plantão. Do contrário, cadeia nele. Rosa Luxemburg, Eduard Bernstein, Karl Kautsky, Martov, Plekhanov eram revisionistas do revisionismo socialista. Foram nominados como traídores pelos socialistas soviéticos e, alguns deles, foram para o Gulag. Afinal, quem está certo? Os “imbecis” cultuadores da história do possível, da que existe concretamente ou os “iluminados” analistas que vivem no reino do devir histórico de acordo com as suas visões peculiares de mundo? É uma questão sem solução! Imbecis e iluminados sempre existirão. Resta saber quem é quem na concretude da realidade nua e crua.

Afinal, “Somos o que podemos ser” como diria a Banda Engenheiros do Havaí!

 

Borda da Mata/MG

 Final de inverno de 2022


Luiz Fernando da Silva

Sociólogo