quinta-feira, 27 de março de 2014

CONCLUSÃO SOBRE JK



O governo JK (1956-60) representava politicamente um avanço com relação à democracia. E isso fica ainda mais claro se concebermos aquele momento histórico como um período conturbado no Brasil e no restante do mundo. Se não vejamos: aqui no Brasil passara-se menos de dois anos do suicídio de Getúlio Vargas; havia uma grande disputa entre setores nacionalista e setores mais flexíveis; os militares encontravam-se irrequietos na caserna. Já em relação ao mundo, os problemas não eram menores: rearticulação de forças no pós-guerra; Guerra Fria entre as duas maiores potências do mundo, consubstanciada nos EUA e URSS; enfrentamento entre estas potências, de forma indireta, através de conflitos localizados como na Guerra da Coréia e Revolução Cubana.
O suicídio de Getúlio, que causara tanta comoção na população brasileira, deixava um espólio cruel para o próximo presidente eleito: ter o mesmo carisma do Velho Caudilho ou “pai dos pobres”.
É nessa seara que o Governo JK irá se desenrolar. No âmbito interno, consegue fazer malabarismo entre os setores nacionalistas e internacionalistas (ou menos nacionalistas). Para tanto, evoca que a relação com as economias centrais deve ser no sentido de “inferioridade” (entre país desenvolvido e subdesenvolvido) e não de exploração. A meu ver, com essa “sacada”, JK tenta anular os discursos ideoligizantes dos nacionalistas e esquerdistas e, de quebra, afirmar o seu discurso desenvolvimentista; no Congresso, exerce com precaução e moderação a prerrogativa do veto presidencial, angariando-se, assim, forte simpatia por parte dos políticos.
Os militares na história brasileira, principalmente a partir da República, sempre se julgaram como os “salvadores da pátria”. Nos anos 20, há o Movimento Tenentista que tinha como aspiração a moralização da vida pública brasileira, ou seja, acabar com a política exercida a partir das oligarquias, principalmente de São Paulo e de Minas Gerais na famosa Política do Café com Leite. Apesar da “boa intenção” desse Movimento, o mesmo fora derrotado. Mas, deixou muita influência tal como: “... a realização histórica de orientação genérica assumida pelo Movimento Tenentista como o reformismo e o nacionalismo. Portanto, na conjuntura analisada, o comportamento militar é referido ao sistema, como comportamento modernizante, mas os cursos sociais posteriores alteram as características deste comportamento".
“Na medida, portanto, que os cursos do sistema aumentaram a significação política dos grupos de classe baixa, os militares, de um papel modernizante, tendem a assumir o papel de árbitros e finalmente o de defensor conservador da ordem social.”
A partir do fim do Estado Novo em 1945, há “... o estabelecimento de um novo modelo de sistema político, (a democracia que coincide com um comportamento militar mais marcadamente arbitral). É neste período que se cristalizam dois grandes grupos políticos militares, que entrarão em conflito em cada crise do sistema. De um lado, o grupo nacionalista, que se estrutura em torno da defesa do monopólio estatal do petróleo... De outro lado, o grupo da ESG (Escola Superior de Guerra), que pode também ser caracterizado como o grupo dos conspiradores históricos.”
Segundo Fernando Pedreira, os anos de 1954, 1955 e 1961 caracterizam bem o posicionamento dos militares enquanto árbitro da sociedade brasileira.
“O governo JK caracterizado pelo desenvolvimentismo como estratégia psicossocial de mobilização e pela forte liderança do Mal. Lott no plano militar, só apresenta duas crises militares, na área da Aeronáutica, ambas de pequena envergadura. A crise de Aragarças representa a radicalização de perspectivas do grupo militar anti-populista.”
No plano internacional, JK tenta atrair o apoio dos EUA a sua política. Para tanto e aproveitando-se do clima de Guerra Fria, JK coloca-se como um anticomunista. Assim, poderia obter o apoio dos EUA.
O Governo JK, do ponto de vista econômico em seu Plano de Metas, quebrou o paradigma do nacionalismo “caboclo”, ou seja, a melhor maneira de combater o nacionalismo tanto de direita quanto de esquerda era a prosperidade através do desenvolvimentismo.
A meu ver, os “Anos Dourados”, no período em que JK era presidente, foram uma conjugação de diversos fatores, entre os quais, a criação de mercado para diversas indústrias, a facilitação do fornecimento de matérias-primas bem como de bens de capitais. O limite entre a habilidade de JK para governar e os fatores conjunturais daquele momento é tarefa que requer um estudo bem mais aprofundado. Em outras palavras, qual dos dois aspectos foi preponderante? O desenvolvimento só existiu por causa da conjugação dos dois fatores? A relação causal determinante naquele período não é factível nesta pequena exposição ora realizada.
Miriam Limoeiro acerta em cheio quando coloca que o “desenvolvimentismo é a ideologia que propõe ‘mudar dentro da ordem para garantir a ordem’.”
Para Marly Rodrigues, havia uma contradição entre a internacionalização da economia e o nacionalismo populista no qual JK estava inserido.
Do ponto de vista social, o governo JK, apesar da forte propaganda em que havia prosperidade para todos, não foi bem sucedido. Se não vejamos: “As classes trabalhadoras - as quais também se pedira que se comportassem como ‘soldados do desenvolvimento’ - participavam desigualmente do clima de prosperidade. Embora os salários aumentassem em termos absolutos, a sua participação na expansão, em termos relativos, era cada vez menor. De 1955 a 1959, enquanto os lucros industriais aumentavam 76% e a produtividade 35%, o salário mínimo eleva-se apenas 15%.”
E Marly Rodrigues afirma que apesar de o pais ter entrado na fase de produção e consumo de bens duráveis, não houve “... uma transformação efetiva das relações políticas entre os diversos setores de classe e entre as classes.”
Mais a frente, Marly coloca que estava na própria gênese do desenvolvimentismo o descompasso entre o crescimento industrial e a pobreza reinante em vastas regiões do país, sobretudo no campo.
Mas a pobreza reinante no país (segundo os ideólogos do desenvolvimento) era apenas um detalhe do modelo agroexportador. Bastava a industrialização do país para que a pobreza acabasse. Percebe-se, nesta colocação, que a industrialização era vista como uma panaceia.
O homem JK, se é que se pode falar assim, era um mau administrador de seus próprios bens como ele próprio coloca em suas memórias.
As anotações do diário de JK “... mostram um Presidente que na vida civil, vive as voltas com negócios desastrados. O Banco Denasa, criado por ele e os genros, quase foi à bancarrota por uma administração desastrosa. JK também era sócio de uma empresa de construção civil em Portugal, que acabou sendo confiscada pela Revolução dos Cravos. Comprou uma fazenda onde pretendia plantar batata e criar gado, mas só conseguiu mais prejuízo. (...) Em 20 de dezembro de 1974, JK escreveu: ‘Tenho sido explorado por todo mundo’.” Era também um mulherengo conforme atesta uma reportagem numa revista semanal sobre o seu passado: Maria Lúcia Pedroso “... é uma pérola oculta na História do Brasil. Durante quase dezoito anos, ela teve um romance secreto com Juscelino Kubitschek.” Mas também “era do tipo excelente” conforme afirmação do entrevistado Otto. “Não era corrupto”, conforme colocação do entrevistado Walmy.
Como todo ser humano, JK tinha o seu lado considerado bom e o lado considerado ruim. É claro que esses julgamentos de valor dependem do contexto e dos valores em que está inserido o eventual analista.
Uma coisa têm sido constante quando se fala de JK: a sua pessoa é sempre preservada. Nesse particular, há até a mitificação do homem JK.
A impressão que fica do homem JK, a partir das referências à sua pessoa, é que o mesmo estava “além do bem e do mal”.
O político JK, a meu ver, como já coloquei, conseguiu captar o que os “dois mundos” (o mundo dos pobres onde crescera e o mundo das elites onde adentrara, principalmente após o seu casamento) tinham de melhor. Do “mundo” dos pobres captou a simplicidade, o “pegar nas mãos”, a espontaneidade. Do “mundo” das elites captou a sagacidade a articulação nos bastidores, a ilusão de que tudo é possível na política.
A idiossincrasia de um jovem que crescera em meio as maiores dificuldades sócio/econômico/financeira fica bem claro quando numa das passagens de sua autobiografia ele coloca que a pobreza em que vivia era circunstancial devido à morte precoce de seu pai e não “natural”, já que, no mínimo, era descendente próximo de europeu (ex-Tchecoslováquia). Dessa forma, o jovem JK indignava-se com a sua situação para que conseguisse forças para superá-la.
Uma coisa é certa, o político JK é engendrado a partir de um imbricamento de situações que, em muito, lembra o estilo frugal dos Puritanos quando de suas chegadas ao “Novo Mundo” (EUA), conforme descrito num trabalho de Weber. Quando garoto, estudara em colégio de padres. Aprendera francês com uma senhora francesa que morava em Diamantina. Tivera uma educação à espartana de sua mãe. Gostava de trabalhar, apesar de ser apenas um garoto. Como se vê, tinha um estilo de vida voltado para uma forte disciplina no dia-a-dia. Portanto, JK teve uma boa base para se tornar um grande político.
A partir daí, a questão era saber aproveitar as chances que poderiam lhe aparecer. É isso, talvez, que diferencie o político JK dos demais. Naquele momento em que havia uma guerra (a Revolução Constitucionalista de 1932), JK não se acovardou: foi e enfrentou as adversidades; conseguiu mostrar o seu valor enquanto um jovem médico; teve a sorte de ter tido o reconhecimento pelo seu trabalho por pessoas que viriam a ocupar cargos de destaque na administração do Estado.
Edgard Barros foi feliz quando colocou que JK tinha um estilo sofisticado em que conciliava generosidade, sutilidade, elitismo e oportunismo.
O político JK, certamente, perpassou por todos esses elementos citados por Edgard.
Da sua formação religiosa, certamente, saiu o seu profundo anticomunismo. Da sua educação rigorosa, certamente, saiu a sua disciplina tanto no poder quanto fora do poder. Da sua vida simples no interior, certamente, saiu a sua incrível capacidade de ser popular. Da sua indignação diante das dificuldades da vida, certamente saiu o político que queria transformar um país pobre em país rico.
A meu ver, Otto também foi muito feliz quando coloca na entrevista que devido à infância pobre em que JK vivera (o que, certamente, o levava a ter complexo de inferioridade), nasceu o político e administrador megalomaníaco.
Nem tudo são flores na vida política de JK. Afinal a vida política é feita por homens políticos com as suas virtudes e seus defeitos. E segundo o filósofo espanhol Ortega y Gasset (analisando o estadista em contraposição ao pusilânime), “não se espere que o estadista seja um homem virtuoso”. Os estadistas são homens de ação, basicamente inescrupulosos - no sentido de jamais permitirem que uma dúvida escrupulosa interrompa a ação. (...) Ele trapaceia, mente, alia-se ao diabo.
Só é absolutamente íntegro quando entra em jogo o Estado.
A grande acusação que se fazia a Napoleão é que ele era megalomaníaco. Claro que era. ... Não há nenhuma pessoa que se dispondo a mudar um Estado, não seja um megalomaníaco.
Vai além. Em geral, os estadistas têm uma adolescência extremamente conturbada e polêmica. Todo estadista tem um fogo interno, um vulcão que só se materializa na maturidade, quando ele logra conquistar o poder. ... O estadista incomoda. É dotado de grandes virtudes - e de enormes defeitos.”
Como se vê, o político JK fez enormes obras como a Pampulha, grandes rodovias, Brasília... e permitiu enormes corrupções. Aliou-se a Benedito Valadares, uma figura desprezível na política mineira conforme as citações em suas memórias, para projetar-se politicamente. Para conseguir a sua ascensão política, calou-se diante do Estado autoritário getulista em 1937, quando perdera o mandato de deputado federal, mesmo dizendo-se ser um democrata convicto. Tornou-se “cacique” político em Diamantina a despeito de sua convicção democrática.
Finalizando, o político JK não pode ser visto por uma pessoa que se pretenda analista como um homem que esteja acima do bem e do mal (excetuando-se a mitificação feita pelo povo na análise do homem JK enquanto “simplesmente” homem, como já coloquei acima). O seu projeto de nação tinha, evidentemente, enormes virtudes, mas também enormes defeitos, ou seja, dependendo da ótica política e teórica em que o analista esteja inserido.
E Ortega y Gasset foi, também, feliz quando definiu o estadista dessa maneira: “Tudo nele é enorme, exagerado, ameaçador. Incomoda a diferença de estatura. Incomoda a perspectiva de sucesso - já que a sua ânsia de poder sempre é ameaçadora. Incomoda a arrogância, a falta de limites.
Só que estadistas forjam nações.”

Luiz Fernando