domingo, 9 de novembro de 2014

ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS 2014 - HEGEMONIA, NEOCORONELISMO, (NEO)POPULISMO E VITÓRIA DE PIRRO, O QUE SOBROU PARA OS VITORIOSOS?


Findaram-se as eleições presidenciais de 2014. Como eleitor e observador do processo eleitoral há mais de 30 anos, vejo que somente em 1989 houve acirramento tão febril quanto agora. Os demais processos eleitorais foram, de maneira geral, mais brandos.
Quais foram os motivos de tanto acirramento político? Há nos processos eleitorais estratégias que são comuns: tentar tirar vantagens da realidade para se eleger; acusar o adversário de incompetente; mostrar quem tem mais condições de governar... No caso de reeleição, a vantagem dos dados referentes à administração do país é algo que tem beneficiado o governo de plantão. Afinal, a informação administrativa não é publicada se ele não fizer manobra para tanto. Esse fator é gravíssimo no processo de reeleição! Tomar ciência dos dados referentes ao país é um direito nosso, independente das circunstâncias. Isso, contudo, não isenta a fraqueza da oposição em escarafunchar as organizações governamentais, de forma mais inteligente, para obter dados mais acurados e atualizados dos desmandos no Palácio do Planalto. O Governo Central escamoteou os dados ruins para tirar vantagens eleitorais. Contudo, esse escamoteamento de dados ruins, do governo de plantão e candidato a reeleição, não explica o sucesso eleitoral obtido nas urnas.
A capilaridade do Partido dos Trabalhadores nos grotões do Brasil, essa sim, explica o sucesso dele nas urnas. De partido nascente com visão moderna de mundo, enraizado nos setores mais progressistas do país, como o ABC paulista e a intelectualidade brasileira, o PT tornou-se um partido obsoleto, dos menos informados e dos menos formados, dos grotões brasileiros, cuja única muleta para se sustentar no poder é o Bolsa Família, vide mapa do resultado eleitoral. Esse fator  consubstancia o PT no POPULISMO do falecido Leonel Brizola.  Ou seja, transforma o PT no NEOCORONEL, fazendo terror com quem recebe a ajuda do governo através do Bolsa Família, dizendo-lhe que o candidato opositor vai retirar dele esse benefício. É pouco para um partido que pretende ficar num país da dimensão do Brasil! É ficar à mercê de visão de mundo tão canhestra!
Os simpatizantes do PT, não digo nem militantes, porque hoje são todos pagos para segurar bandeirinhas e fazer papel de claque, tentam se segurar na pobreza do discurso de que antes não havia programas sociais tão abrangentes. Numa palavra, pode-se desviar dinheiro público, pode-se copiar o “inteligente” Hugo Chávez, pode-se fazer o que quiser... Afinal, os fins justificam os meios.
Os programas de inclusão social são importantes ferramentas, sim. Ainda mais num país injusto como o Brasil. Mas deve ter caráter temporário. Noutras palavras, é uma ajuda para retirar da pobreza as camadas mais necessitadas e inseri-las no mercado de trabalho. Mas o que se sucede é que o Bolsa Família veio para ficar e ser utilizado como moeda eleitoral, algo típico dos antigos coronéis, sendo materializado no NEOCORONELISMO. Assim, o que se percebe é que está, digamos, faltando clarividência aos simpatizantes desse partido para ter uma visão sistêmica de poder. Pipocam todos os dias denúncias e mais denúncias de assalto ao patrimônio público em benefício do PT e seus aliados. O cidadão comum e eleitor do PT sofre no cotidiano, permanece no subemprego, não consegue sair das dívidas e, ainda assim, defende uma elite política que navegam nos melhores cargos do governo federal. Nas doces sinecuras do governo do PT. Como consegue chamar de progressista um partido que não fez nenhuma reforma estrutural no país em doze anos de governo? Como pode chamá-lo de “esquerda” um governo que é pai dos pobres e mãe dos ricos, vide Bolsa Família e Bolsa Empresa, que tem como aliados Renan Calheiros, Sarney, Collor et caterva?
Esse aspecto, a meu ver, está inserido no que Antonio Gramsci, filósofo italiano, chamou de HEGEMONIA. Como antigo militante, sim, eu era militante, mesmo. Portanto, eu não ganhava nada financeiramente e ainda contribuía com meus parcos recursos para candidaturas eletivas do PT, além de promover festinhas para arrecadação de fundos para esse partido nos idos 1987/1991. Nessa época, eu ficava pensando: como esse partido poderá um dia se tornar hegemônico na sociedade? A um amigo meu de militância, que chorava a perda das eleições de 1989, eu dizia, já prevendo o que viria do PT: _ não se iluda muito, não! Talvez, no futuro, quando esse partido chegar ao poder, você poderá ter fortes desilusões... Eu falava isso em referência, principalmente, à Revolução Russa. Lá, Martov, Plekhanov e vários outros, apesar de aliados, não compartilharam da vitória naquele Outubro de 1917. Falava, também, em referência a Juscelino Kubistschek, que apoiou o Movimento militar no Brasil em 1964 e foi um dos primeiros a ser rechaçado pelos militares. Em suma, a história está cheia de exemplos.
O PT, inteligentemente, conseguiu se tornar hegemônico. Algo impensável no passado, pelo menos com aquela visão de mundo que o partido tinha. O que o PT fez para mudar esse estado coisas? Como perdera três eleições presidenciais, o PT percebeu que se não se aliasse ao segmento considerando de direita, conservador, de elite, jamais conseguiria chegar ao Planalto. Uma vez aliado a esses estratos sociais e bem sucedido nas eleições de 2002, o PT passou a se utilizar de várias frentes para permanecer no poder por mais duas décadas: desconstruir a imagem de Fernando Henrique Cardoso e do Partido da Social Democracia Brasileira e seu legado; abandonar o programa Fome Zero; aglutinar todos os programas sociais do PSDB como Vale gás, bolsa alimentação, bolsa escola e cadastro unificado num único programa denominado Bolsa Família; criar o programa Bolsa Empresa, visando angariar apoio dos empresários; lutar por um assento no Conselho de Segurança da ONU, visando projetar o Brasil no mundo; dar emprego para os sindicalistas do país todo, muitos em pura sinecura, visando acabar com eventual oposição sindical; dar reajustes ao funcionalismo público federal, visando ter a máquina do estado a seu favor; expandir o número de universidades, angariando-se, assim, apoio da intelectualidade; dar aposentadoria para jogadores da seleção brasileira de futebol da Copa de 1970, visando ganhar apoio dos desportistas...
Como se vê, embora resumidamente, o governo do PT foi muito inteligente. Começava-se, assim, a construir a famosa hegemonia Gramsciana. Se o projeto do PT era ficar mais vinte anos no poder, lá se vão doze anos com direito a mais quatro anos.
Ao fenômeno utilizado pelo PT para permanecer no poder, dá-se o nome de “gatopardismo”.  Numa palavra, ‘muda-se tudo’ para não mudar nada. O importante para o PT é estar no poder. Aos críticos desse projeto, os simpatizantes e eleitores, que formam uma verdadeira patrulha dos “bons costumes” petistas, seja na imprensa escrita, seja na internet, respondem que isso é a esquerda no poder, é o partido no estilo progressista. Que não querem ver o país retornar ao neoliberalismo, ao partido conservador, de elite, da elite branca. Palavras estas que são eivadas de quase cem por cento da cartilha petista  e quase zero por cento de conhecimento de causa, de história...
Ante tanto barulho eleitoral, o que sobrou para os vitoriosos? O grande historiador inglês Eric Hobsbawm, num artigo, publicado pela Folha de S. Paulo em 12/11/90, sobre a queda do Muro de Berlim em 1989, colocava como título: “1989, o que sobrou para os vitoriosos”. Nesse artigo, analisava, ainda no calor da derrocada do socialismo real, os aspectos nada vangloriosos para os que se achavam vitoriosos. Em síntese apertada, dizia que somente os países ricos podiam comemorar, mas, contudo, num curto espaço de tempo, tendo em vista o recrudescimento social que adviria da “Queda do Muro de Berlim” em 1989.
Sobrou uma glória de estratégia vitoriosa para o PT e um Estado depauperado para o povo brasileiro. Carcomido pela privatização, essa sim, privatização dos cargos públicos pelo PT e seus aliados; um Estado sem canais efetivos de oposição a ele, afinal o governo central conseguiu calar os movimentos sociais através da oferta de polpudos salários nas estatais para as suas lideranças, sufocando os canais de contestação da sociedade, e isso engendrou resposta do movimento de contestação de junho/julho de 2013, que não foi previsto pelo Governo Central devido a visão totalitária de Estado pelo Palácio do Planalto; inflação em alta; poucos recursos para investimento do Estado, haja vista o excesso de gastos públicos na manutenção do aparato estatal; desconfiança do mercado; denúncias de corrupção por todos os lados; ascensão da oposição; máquina pública inchada por empreguismo; o país sendo chamado de anão diplomático por autoridade estrangeira; balança comercial deficitária; produção industrial em queda.
Se a campanha do PT pela reeleição foi um tudo ou nada, utilizando-se do terror; se conseguiu majoritariamente o voto dos menos informados e o voto de cabresto; se conseguiu esconder os problemas do país via controle da informação de dados; foi então uma vitória do “status quo”, uma vitória conservadora, uma retumbante VITÓRIA DE PIRRO!



Luiz Fernando da Silva

domingo, 19 de outubro de 2014

BREVE VISÃO SOCIOLÓGICA SOBRE A QUESTÃO DA TERRA


Para analisar a questão da terra sob a perspectiva sociológica, recorrerei à socióloga Elisa Reis, através de seu trabalho  - Brasil: Cem Anos de Questão Agrária.
Elisa Reis, por sua vez, recorre ao trabalho de Albert Hirschman: Êxodo, Voz e Lealdade. Segundo a autora, Hirschman utiliza dessa trilogia para estudar a decadência em empresas, organizações e Estados.
“O êxodo refere-se à mudança do objeto de adesão, enquanto a voz é fundada na ‘lealdade’, que não corresponde necessariamente à legitimidade. O que a voz sempre envolve é a decisão de permanecer no jogo, embora as regras possam ser postas em discussão. A lealdade age como uma inibição efetiva ao êxodo, mas para estimular a voz a lealdade não pode ser a consequência de um ‘comportamento inconsciente’.”
A partir de 1964, o regime militar proíbe a existência das “Ligas Camponesas” e fecha os sindicatos rurais existentes. O Estado autoritário parte de três orientações básicas para fazer frente ao setor agrário:
1 – inserção do Estado no campo através de agências burocráticas; 2 – transformação do trabalho camponês em trabalho mercantil; b) transformação das propriedades agrícolas em modernas empresas agrícolas; 3 – abertura de novas fronteiras agrícolas.
A atuação do Estado na área agrária, segundo a autora, leva a uma mudança significativa no modo de vida dos camponeses. Pressionados pelas mudanças, os camponeses buscam nas novas fronteiras agrícolas, algo que já fazia parte do projeto militar na época, na tentativa de preservação do estilo de vida camponês. Entretanto, problemas como “insegurança sobre a posse da terra e a violência física” continuariam a permear a vida dos camponeses.
A competição nas fronteiras agrícolas entre os camponeses e as grandes empresas, que em alguns casos eram multinacionais, tornou-se um problema que passou a envolver outros atores coletivos como sindicatos, partidos...  Nesse sentido, a ocupação das fronteiras agrícolas acaba por não representar as condições que fortalecesse o poder dos camponeses.
Se a ocupação das fronteiras agrícolas pelos camponeses representou o “Êxodo”, a greve nos setores proletarizados das plantações de açúcar do Centro e do Nordeste representou a “Voz”.
A autora frisa que uma minoria de camponeses, porém muito significante, conseguiu adentrar a estratégia modernizante do regime militar. Entretanto, essa minoria assumiu uma nova identidade, qual seja a de pequeno-burgueses. Há, ainda, referência àqueles cuja situação é ambígua, ou seja, perderam  a identidade na estrutura social agrária mas não encontraram uma nova identidade social. A meu ver, o embrião do MST pode ter tido nessa ambigüidade o mote existencial. Numa palavra, o MST surge do esforço de forjar um novo caráter campesino naqueles que foram arruinados e/ou que vêem nessa luta a chance de ter uma nova identidade.
Elisa Reis coloca que há no processo de modernização autoritário o chamado “quase-proletário”, ou seja, aquele que trabalha no campo e na cidade de forma intermitente. Para a autora, a situação dos chamados “Sem-Terra”, que foram expelidos do campo em razão da fragmentação do minifúndio, bem como da ampla utilização de tecnologias no campo, é um novo problema para o Estado resolver.
Finalmente, a autora afirma que o tema da reforma agrária é sempre recorrente, mas que fica só no discurso. Dessa forma, o discurso de que a participação da população rural em percentagem tem diminuído consideravelmente, como atesta os números em seu trabalho, não lhe tira a importância, já que, ainda assim, são quase 40 milhões de pessoas que vivem no campo.
Elisa Reis coloca que, apesar dos camponeses terem levado prejuízo no processo histórico em suas lutas com a elite agrária, há uma novidade recente: a elite agrária tem se mobilizado politicamente de forma específica, assumindo uma posição de classe. No passado, seus interesses eram tidos como problemas gerais da nação.
A criação do Ministério da Reforma Agrária no governo Sarney, segundo a autora, foi mais uma forma de isolar o processo do que de realmente resolvê-lo, já que a importância dele na burocracia governamental é fraca.
Para a autora, o que acontece no Brasil é que os trabalhadores foram, ao longo de nossa história, sempre manipulados e com pouquíssimas chances de se rebelarem, utilizando-se da “Voz” nos moldes convencionais da política, ou seja, excetuando-se o banditismo, o milenarismo... Dada a política manipuladora feita pela elite agrária, onde o camponês não tinha direito a “Voz”, o “Êxodo” foi uma estratégia camponesa que não foi suficiente para mudar a realidade no campo.
Em síntese, a autora coloca que a conquista de direitos mínimos de cidadania dos camponeses é uma forma que poderá, no exercício da política enquanto “Voz”, dar-lhes novas esperanças num momento difícil dessa importante parcela da sociedade.
Luiz Fernando

sábado, 26 de julho de 2014

BREVE ANALOGIA DO ESTADO SOCIAL EM JOHN LOCKE E THOMAS HOBBES


A terminologia “Estado Social” tem, a meu ver, uma conotação bastante recente. A mesma refere-se, de forma preponderante, à “ ... estrutura de poder público nas sociedades capitalistas altamente industrializadas e de constituição democrática, como aquelas situadas em toda a Europa Ocidental, Escandinávia e América do Norte”.
“Depois da II Guerra Mundial, nas sociedades industriais ocidentais mais desenvolvidas, foi possível aperfeiçoar e unificar em parte os sistemas da seguridade e da parcial influência econômica por parte do Estado.” Dessa maneira, as políticas adotadas pelo Partido Trabalhista inglês entre 1945 e 1951, através do Plano BEVERIDGE; os resultados obtidos através da efêmera colaboração entre todos os partidos antinazistas na França; a política social continuada e generalizada a partir dos partidos trabalhistas reformistas desde 1932 na Suécia, foram exemplos de como o “Estado Social” passava a ter supremacia perante aos Estados com estruturas de poder público diferentes. Contudo, nos exemplos acima, os Estados continuaram dentro da ordem capitalista.

Se no sentido estrito, atualmente, entende-se o “Estado Social” a partir desta conotação; no sentido amplo, nada impede que o tomemos como sinônimo de “Controle Social”. É claro que devemos situar esta conotação a partir do sentido amplo.
Locke e Hobbes têm pressupostos iniciais bem como gerais comuns em relação ao desenvolvimento da sociedade. Tanto um como outro veem o contrato social (Estado Social) como um mecanismo importante para os indivíduos que vivem num estágio pré-político e pré-social.
Nos aspectos mais específicos da visão de mundo de ambos os filósofos é que se encontra, contudo, as diferenças.
Para Locke, no estado pré-social e pré-político havia harmonia e propriedade individual dada pela capacidade do trabalho, também, individual. Já para Hobbes, o que havia era uma luta de todos contra todos bem como a ausência de propriedade privada.
No que concerne ao fato de que no estado de natureza, segundo Locke, era Deus o proprietário de tudo e que o homem foi se apoderando das propriedades segundo a sua capacidade de trabalho; Hobbes coloca que, em relação a Deus, trata-se de uma questão de consciência ou de fé, mas o que vale mesmo no aspecto terreno são as leis positivas do Estado Social.
Se os indivíduos, segundo Locke, se unem voluntariamente através de um pacto de consentimento para criar leis que protejam as propriedades já existentes no plano individual no estágio pré-político; Hobbes coloca que a união dos indivíduos se dará a partir de um pacto de submissão para criar leis que possam assegurar a existência de propriedade privada, uma vez que a mesma inexistia no plano individual no estágio pré-político.
Para Locke, uma vez criado o pacto de consentimento, a forma de governo a ser implantado deveria partir do princípio da maioria respeitando os direitos da minoria. Portanto, a meu ver, o que se depreende da visão lockeana é que a criação do Estado Social seria uma espécie de “salto de qualidade”, ou seja, uma necessidade consentida apenas como um bem necessário. Já para Hobbes, uma vez criado o pacto de submissão, a forma de governo deveria ser a monarquia absoluta. O Estado Social seria decorrência da necessidade de um “árbitro” forte por parte dos indivíduos e, para ser forte, deveria ser absoluto (soberano). O que se depreende, a meu ver, das colocações hobbesiana é que o Estado Social seria uma necessidade imposta, um mal necessário, um monstro, ou seja, um Leviatã.
Se na concepção de Locke, não importa a forma do Estado, desde que seja respeitada a propriedade privada; Hobbes coloca que a forma do Estado importa sim, ou seja, deve ter um poder uno, desde que legitimado pelos súditos, para garantir a existência da propriedade privada, que não existia no estágio pré-político.
A propriedade privada deve ser respeitada, segundo Locke, pelo Estado Social, não importando se este Estado é dividido entre executivo e legislativo ou não. Quando isso não ocorre, o Estado Social perde o sentido de sua existência. Portanto, se existir uma guerra para restabelecer o direito de propriedade, a mesma é considerada justa. Para Hobbes, a existência ou não da propriedade privada é determinada pelo Estado Social, uma vez que foi somente a partir da existência dele que foi possível a interação entre os indivíduos de forma ordenada. Portanto, a existência ou não da propriedade privada é decorrência da vontade do soberano e não da existência em si do Estado Social. Outrossim, a legitimidade do soberano é dada pela sua força de permanecer no poder e não da garantia ou não da propriedade privada. Nesses termos, a guerra é justa não porque houve vitória bem como direito sobre os vencidos, mas sim porque há um pacto de submissão que obriga os vencidos a aceitar a autoridade do soberano.
Para a história política, segundo Bobbio, o pensamento lockeano dará suporte aos direitos humanos a partir de sua defesa da vida, da liberdade e da propriedade privada, o que lhe dará o título de pai do individualismo liberal. Em outras palavras, devido as linhas mestras de seu pensamento, o mesmo lançou as bases do Estado liberal.
A meu ver, seguindo o raciocínio de Hobbes, pode-se afirmar que este autor tornou-se precursor de um Estado forte e pragmático a partir de seu governante. Decorre dessa visão, um Estado interventor na sociedade, reificado como o todo poderoso e absolutista a partir da sua legitimação pelo pacto de submissão.
O que mais me chamou atenção na visão de mundo de ambos os filósofos é que, apesar de partirem de pressupostos iniciais semelhantes, especificamente, Locke tem como ponto de partida o consentimento dos indivíduos para se chegar ao governo do Estado e, dessa forma, garantir de vez a propriedade conquistada pelos indivíduos de forma individual. De forma sintética, Locke inicia-se das partes para se chegar ao todo. Hobbes parte de uma “massa amorfa” constituída pelos seres humanos e que somente um ente superior originado de um mínimo de racionalidade humana (o pacto de submissão) poderia dar a forma necessária à individualidade para a existência daquele ente superior. De forma também sintética, pode-se dizer que Hobbes parte-se do todo (uno) para se chegar às partes.
A democracia, tal qual conhecemos, tem a sua base no liberalismo. A respeito dessa colocação, Norberto Bobbio faz a seguinte afirmação: “... o estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático. Estado liberal e estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais”.
A noção de “guerra justa”, quando o que está em jogo é a propriedade privada, está ligada ao pensamento de Locke.
A propósito dessa noção, Bobbio envolve-se numa polêmica em 1991, através de uma entrevista dada na Itália e publicada pela Folha de S. Paulo em 18-01-91, sobre a Guerra do Golfo Pérsico, onde o Iraque invadira o Kuwait. Naquela entrevista, ele coloca que “... considera justa a guerra contra Saddam.” Dada a repercussão negativa de sua colocação, principalmente entre os pacifistas, ele a reconsidera numa outra entrevista, também publicada pelo mesmo jornal, em 10-03-91. Para tanto, evoca a “ética da responsabilidade” weberiana onde, embora justa, a necessidade de uma guerra deve ser precedida de uma fundamentada previsão de seus efeitos nos dias atuais.
A afirmação do pensamento lockeano através do individualismo liberal será o grande contraponto filosófico para as discussões posteriores em torno da importância do coletivismo Hobbesiano. Resumindo, as discussões girarão em torno de qual paradigma é mais bem adequado aos estudos sobre as sociedades: o que toma como referência o indivíduo (Locke) ou o que toma como referência a sociedade (Hobbes).

Luiz Fernando

quarta-feira, 16 de julho de 2014

BREVE HISTÓRIA DE MEIO SÉCULO NO CHILE - FINAL

A Igreja Católica, o militarismo e o movimento popular

A Igreja 

Em relação à Igreja Católica, há que se atentar para o fato de que a mesma insere-se no contexto do colonialismo, já que era parte integrante umbilicalmente dos Impérios Ibéricos. Dessa forma, a atuação da Igreja Católica dava-se como crença pura e simples ou como projeto de dominação em relação às regiões colonizadas, dependendo, assim, do ponto de vista do analista.
Como de praxe, a Igreja Católica, doravante Igreja, na década de 30, apóia o candidato das oligarquias e membro do Partido Radical Juan Estéban Montero à presidência da República.
Ricardo Donoso, historiador, frisa que no final da década de 50, no governo de Jorge Alessandri, havia relação bem articulada das classes dominantes, executivo como representação das potências dominantes, plutocracia e Igreja, a despeito do Congresso e das classes populares.
Os autores, a respeito das relações espúrias da Igreja em 1964 com o poder, colocam: “A Democracia Cristã, partido policlassista, com uma importante base social pequeno-burguesa, mas dirigido por representantes da burguesia, tornou-se o melhor instrumento da nova estratégia do imperialismo, abençoada pela Igreja Católica. Esta, desde o término da Segunda Guerra Mundial, havia abandonado sua aliança tradicional com a oligarquia latifundiária para dar seu apoio ao novo que surgia com o predomínio norte-americano na América Latina.
No final da década de 30 surge o Partido Democrata Cristão-PDC ou simplesmente Democracia Cristã a partir dos ideais do filósofo neotomista Jacques Maritain, ou seja, à moda da Falange Espanhola. A Democracia Cristã tinha, também, como fonte de inspiração, as Encíclicas Papais. Dessa forma, repelia os ideais marxistas e, também, liberais.

O militarismo 

O governo de Arturo Alessandri na década de 20, dado a sua atuação contra as oligarquias, faz emergir uma corporação que se tornará permanente na história política do Chile: a juventude militar. Entretanto, uma junta militar, que não era juventude militar, depõe Alessandri e repõe as oligarquias no poder, as mesmas que haviam sido afastadas em 1920. Algum tempo depois, mais precisamente 04 meses, a juventude militar, através de Carlos Ibañez e Marmeduque Grave, consegue substituir a junta militar por outra. Como a juventude militar era apoiada pelos alessandristas, a mesma garantiu o retorno de Arturo Alessandri ao poder constitucional. Dessa forma, houve a promulgação de uma nova constituição que acabava de vez com o parlamentarismo no Chile.
A nomeação do coronel Ibañez para o Ministério do Interior garantiu de vez a interferência militar na política chilena.
Apesar da nova eleição que levou ao poder oligarquias corporificada em Emiliano Figueroa, Carlos Ibãnez continua como Ministro do Interior dado a força que adquirira no governo anterior.
Um ano e meio depois, Emiliano Figueroa renuncia e o coronel Ibãnez, que era Ministro do Interior, torna-se vice-presidente, cargo que ocuparia a vaga de presidente dado a renúncia deste, e logo a seguir elege-se presidente da República em 27 de maio de 1927. Dessa forma, os militares que haviam entrado na cena política devido a crise de hegemonia dos setores tradicionais, tornam-se os novos atores permanentes na vida política do Chile.
O agora general Ibãnez torna-se ditador por um período de quatro anos e cai em 26 de julho de 1931 devido a um grande movimento de contestação militar.
No dia 04 de julho de 1932, devido ao gérmen da doutrina socialista que se espelhava e a associação desse movimento com o descontentamento de militares jovens, o brigadeiro do ar Marmeduque Grave proclama a “República Socialista”, que dura apenas doze dias.
Há na história do Chile, como em todos os países subdesenvolvidos, o mito de que as forças armadas são imprescindíveis. Dessa forma, a partir de 1924, com a junta militar que destituiu o presidente Arturo Alessandri, inicia-se os ciclos de intervenções das forças armadas na vida política chilena através de intentonas ou conspirações abortadas.
A doutrina Schneider, embora partisse do ideal de respeito à constituição chilena, não conseguiu deter as intervenções militares na política. Entretanto, é interessante ressaltar o respeito à ordem vigente de militares como René Schneider e Carlos Prats, ou seja, uma doutrina profissionalista das forças armadas.
A articulação conspiratória fez de tudo para minar a doutrina profissionalista das forças armadas. Entre os seus atos, estava o assassinato de Schneider e Prats no início dos anos 70. A partir daí, os conspiradores aproveitaram as desconfianças do corpo de oficiais em relação ao governo de Allende bem como a formação desses oficiais nas academias dos Estados Unidos.
Em 11 de setembro de 1973, os conspiradores, através do apoio das forças armadas conseguem tomar o poder no Chile. Salvador Allende é morto no Palácio La Moneda.
O chefe autonomeado das forças armadas, Augusto Pinochet, torna-se o ditador do Chile. De início, a ditadura de Pinochet já demonstra a sua vertente totalitária, ou seja, o fechamento do Congresso, cerceamento das liberdades democráticas, limitação da justiça, proscrição dos partidos políticos.
O que estava em jogo era o restabelecimento do poder da burguesia chilena e da “democracia burguesa”, embora, para tanto, houvesse a supressão das liberdades democráticas no sentido popular e também burguesa.

O movimento popular

A meu ver, a guerra civil de 1891 teve um papel fundamental no sentido de criar um sentimento de participação popular. Em outras palavras, é um momento de caos generalizado que se engendra a necessidade da participação de todos, seja para vencer os oponentes, seja para acabar com o caos corporificado num ambiente de guerra.
Para exemplificar essa colocação, os próprios autores afirmam: “...O movimento operário, que já havia dado seus primeiros passos em finais do século passado começou também a adquirir personalidade própria, conquistando um lugar destacado na política nacional.”
Dentro desse aspecto sócio-político, a vitória de Arturo Alessandri em 1920 representou a vitória das camadas populares em relação ao poder oligárquico.
Aliado às camadas populares, estava a juventude militar que impulsionou o país para a vitória insurrecional de 1932.
A efêmera República socialista proclamada em 1932, que durou apenas 12 dias, é uma demonstração evidente das forças populares no Chile.
A vitória das forças populares, Frente Popular, em 25 de outubro de 1938 demonstra que o veio socialista não era somente efêmero. Nos próximos 20 anos, o Chile será um dos poucos países do terceiro mundo a ter governos populares através do sufrágio universal.
Um aspecto interessante na história política chilena, e que também demonstra desenvolvimento político, é o populismo de Carlos Ibañez ter surgido com ele e desaparecido  com a sua morte. Também podemos colocar nessa mesma situação o populismo de Arturo Alessandri.
Devido ao processo de acumulação de forças nos setores populares, o Chile demonstra, através da Unidade Popular, que era realmente uma nação desenvolvida politicamente. A propósito dessa colocação, o economista Aníbal Pinto afirma que o Chile tinha uma “...contradição entre uma estrutura econômica subdesenvolvida e uma organização política avançada...”. A eleição, pelo voto, do socialista Salvador Allende é uma demonstração do processo de acumulação de forças dos setores populares.

Conclusão

Em que pese os possíveis vieses de uma história a partir de uma dada concepção normativa, fiquei muito impressionado com a história de luta do povo chileno.
As contradições explicitadas pela superexploração do trabalho nas minas, principalmente, da guerra civil e do imperialismo e neocolonialismo, forjaram no povo chileno a capacidade da indignação e consequentemente do caminho a ser trilhado, se quisessem, de fato, a emancipação ante os grilhões.
O “jeitinho”, tão característico das negociatas em nosso país, não era suficiente num país que conheceu a guerra civil. Isso não quer dizer, evidentemente, que a guerra civil seja uma panacéia. Mas o acirramento das contradições foi o fio condutor das rebeldias das camadas populares.
Todas as vicissitudes políticas enfrentadas de forma corajosa pelo povo chileno, a partir do final do século passado deram-lhe uma característica “sui generis” no contexto latino-americano: o sentimento de cidadania. Para exemplificar esse fato, basta citar algumas conquistas desse povo: sufrágio universal desde de 1874, com direito de voto a todos homens, mulheres e analfabetos, que estivessem inscritos nos registros eleitorais; multipartidarismo; universidade desde 1842; lei de educação primária desde 1919.

Finalmente, o que evidencia de forma peremptória o desenvolvimento político do Chile foi a capacidade de almejar e, de certo modo, conseguir por um período de três anos, a implantação do socialismo marxista através do voto, dentro da vigência constitucional. Esse fato, a meu ver, não é somente caso único na América Latina, mas em todo o mundo “civilizado”.

Luiz Fernando

terça-feira, 10 de junho de 2014

BREVE HISTÓRIA DE MEIO SÉCULO NO CHILE

                        
Belarmino Elqueta R.
Alejandro Chelén R.

O que ficou da Colonização espanhola

Para os autores, o Chile, desde a sua independência da Espanha, como de resto toda a América Latina, ficou na órbita econômica da metrópole de então, a Inglaterra.
Neste breve relato, não há muitas remissões ou relações de forma direta com a herança colonial espanhola. Entretanto, os autores, vez por outra, nos remetem a referida herança. Nesse sentido, é interessante frisar que o “caldo cultural” que permeia a sociedade chilena está intimamente relacionado com a cultura da dominação colonial espanhola.
A meu ver, quando os autores colocam que o sistema mono- produtor é uma herança do modelo imperialista, fica claro que há uma relação direta com o período colonial.
As referências feitas ao longo do texto ao sistema de propriedade da terra, também, tem, de forma implícita, relação direta a herança colonial.
Os autores fazem uma observação sobre o caráter exageradamente normativo, no sentido estrito de norma, dos ideólogos da Revolução de 1810 e autores da Constituição chilena: havia muita preocupação com a forma e não com o conteúdo; em outras palavras, ficava evidente a preocupação em elaborar uma boa constituição, mas não havia empenho em dar condição ao povo de exigir o seu cumprimento. Dessa forma, isso denotava claramente, o caráter colonial, ou seja, importava-se com ideais sem reais condições de operacionalizá-los. A cultura latina é pródiga nesse detalhe, ou seja, haja vista o “jeitinho brasileiro”, onde se cria violência para vender segurança.
Em relação aos partidos políticos, o Partido Conservador mantinha, no século passado, uma disciplina baseada no período colonial de autocrítica. Já o Partido Radical, fundado em 1813,  frisa  que tinha seus ideais baseado no racionalismo europeu. Em outras palavras, o Partido Radical reivindicava, desde o seu surgimento, a separação entre Igreja e Estado, ensino laico.

O Neocolonialismo

O limite, do ponto de vista histórico, segundo os autores, entre o colonialismo e o neocolonialismo vai ser a independência do Chile em relação à metrópole espanhola. Apesar de, cronologicamente, à época da independência chilena ser ainda uma época do colonialismo, a relação com a Inglaterra, a meu ver, vai se dar dentro do contexto do neocolonialismo. Numa palavra, embora não dependesse diretamente da Inglaterra, a relação do Chile com ela era de vassalagem.
O proeminência do neocolonialismo inglês vai até a Primeira Guerra Mundial. Nessa época, vai se dar um limite, do ponto de vista econômico, entre o neocolonialismo inglês e o neocolonialismo americano. A partir de então, a influência americana será a tônica na história chilena.
Nos pós-Segunda Guerra, devido a divisão do mundo em dois blocos, soviético e  americano, o Chile alinha-se com o chamado “mundo livre” capitaneado pelos Estados Unidos da América.
Segundo os autores, em conformidade com a “Aliança  para o Progresso”, o Chile experimentou uma reforma agrária que favorecia mais o latifundiário do que o camponês. Resumindo, pagava-se muito dinheiro pela desapropriação de terras, já que o parcelamento do latifúndio era de forma voluntária.
A política desenvolvimentista empreendida no governo de Eduardo Frei, 1964-70, estava em consonância com os EUA. Havia uma combinação do capital americano com o capital nacional. Através da política econômica de Frei, o Estado compraria 51% das ações das empresas de capital americano na área de produção do cobre. O que aconteceu, porém, é o que o Estado pagou pelos 51% das ações o valor de 100% das ações, ou seja, o Estado capitalizou as empresas americanas com o dinheiro do contribuinte chileno. Assim, o Estado chileno, através do governo de Eduardo Frei, fez uma espécie de política nacionalista através de um “entreguismo” puro e simples.
O neocolonialismo no Chile, até a eleição de Salvador Allende em 1970, tinha sido tão eficiente que havia retirado em riqueza o dobro do capital investido no país. Das divisas externas em dólar que entravam no país, cerca de 80% eram provenientes da exploração da mineração que, graças as negociatas do governo de Eduardo Frei em 1964, tinha participação de “somente” 49% das ações em mãos do capital americano, mas estava capitalizados e, em muitos casos, com administração das empresas em suas mãos.
O “...processo de concentração monopólica da indústria chilena sobre a base da empresa estrangeira tem profundas implicações em: 
1 – gestão do sistema de produção do país a partir dos interesses   estrangeiros;
2– pagamento de “royalties” às empresas estrangeiras, ou seja, aos países neocolonialistas;
3 - superexploração do trabalho;
4 – Centros de decisões no estrangeiro.
Em relação ao sistema partidário, a Democracia Cristã era a representante “legítima” dos interesses americano no Chile. Para tanto, a sua inserção no meio operário bem com a vitória nas eleições foi financiado pelos consórcios monopolistas e a Central de Inteligência Americana, CIA.
As empresas monopolistas americanas tiveram participação ao lado da burguesia nacional chilena na tentativa de golpe em 1970, visando impedir a posse de Salvador Allende como presidente da República.
Para os autores, o Chile teve dois golpes entre 1970, com o assassinato de guerra, René Schneider e de outro oficial, o general Carlos Prats, e 1973, com o golpe militar que derruba o presidente constitucionalmente eleito Salvador Allende. Nos dois golpes, ficou demonstrado o envolvimento do imperialismo neocolonialista norte-americano e da burguesia local, através do planejamento, financiamento e execução dessa ação.
Como o governo de Allende era voltado para os interesses populares, os interesses neocolonialistas sentiam-se prejudicados. Dessa forma, não poderiam, segundo os autores, deixar de apoiar todas as ações que visavam minar aquele poder.
A coação por todos os meios e, principalmente pelo meio considerado mais forte, que é o poder econômico, tinha como interesse derrubar um governo democraticamente eleito. Aliás, isso deixa claro que a democracia era defendida somente no discurso pelos algozes do governo de Allende.
A propósito, o neocolonialismo norte-americano fazia uma campanha mundial tentando convencer os demais países de que o governo de Allende era uma ditadura “marxista”.
No governo de Allende havia liberdade para que a sociedade civil se manifestasse de acordo com o que assegurava a constituição. É nessa situação que a conspiração neocolonialista encontra campo fértil para executar os seus planos de derrubada do poder constituído.
O neocolonialismo é tão forte que até os países neocolonializados o defende. Por ocasião do golpe de Estado dado pelos militares chilenos, a nação americana foi a primeira a reconhecer o novo governo seguido da Grã-Bretanha, França e, vejam só, o Brasil.

(continua)


terça-feira, 3 de junho de 2014

APATIA POLÍTICA, PARTIDOS E BUROCRACIA - CONCLUSÃO

O que tento demonstrar, nessas citações de Wanderley e de Michels, é que o discurso arraigado e generalizado de que a representação político- partidária formal tem que ser valorizada ou reestruturada, para que a democracia se solidifique em nosso país, tenta fazer o demos se ajustar a polis. Apesar do discurso a favor do fortalecimento do sistema representativo político-partidário formal ser generalizado, pelo menos teoricamente, sabe-se que a maioria dos partidos políticos toma suas decisões através do neocorporativismo entre as suas cúpulas. O discurso corrente é que a democracia é incipiente ou fraca porque não existe partidos políticos fortes. Por outro lado, como dito acima, não há interesse em fortalecer o sistema político-partidário formal. Essa situação leva a população a não acreditar no sistema representativo político. É comum ouvirmos que o eleitor vota no candidato e não no partido. O pior, para o próprio povo, é que apesar de o eleitor pensar assim, ao votar, ele está votando no partido primeiramente, já que o mecanismo proporcional de eleição conta os votos, antes, no partido e só depois no candidato. Assim, há um paradoxo: os partidos políticos detém o monopólio da representação e, ao mesmo tempo, são desacreditados como veículos de representação. Esse fator levaria à exaustão o sistema representativo, caso o voto não fosse obrigatório.
Qual a saída para esse impasse? Se há apatia popular pelos partidos políticos formais, que funcionam, em sua maioria, como legendas de aluguel, mas que detém o monopólio da representação, mas que não representam efetivamente os anseios populares, o que fazer com a democracia contemporânea que necessita dessas organizações? Se o Estado contemporâneo possui uma infinidade de agências como comissões e conselhos que funcionam, segundo Wanderley, como minilegislativos sem o controle popular através do voto e, se a sociedade civil possui outras tantas agências como Organizações Não-Governamentais ‘ONGs p. ex.’ que o sistema partidário formal nunca consegue abarcar, não há motivos plausíveis para que o monopólio da representação política formal continue sendo partidário. Caso houvesse a revogação de tal monopólio, a democracia semidireta, como colocado por Maria Vitória Benevides, seria ampliada. Isso levaria a uma maior competitividade entre as representações e pelo viés dessa nova realidade, a meu ver, haveria o próprio fortalecimento dos partidos políticos formais, que, nesse caso, não mais estariam inseridos no oligopólio da representação formal de fato e não no discurso como se tem apregoado.
Um interlocutor atento poderia objetar que bastaria modificar o funcionamento dos partidos políticos formais, criando mecanismos de fidelidade partidária, sistema de voto misto como distrital e proporcional, abolição do voto obrigatório... que o sistema representativo político formal adquiriria funcionalidade e não necessitaria da revogação do monopólio partidário da representação formal. Wanderley responde essa questão quando coloca que a polis não consegue acompanhar o desenvolvimento do demos. Dessa maneira, essas mudanças atenuaria a crise da representação partidária, mas não avançaria muito. Afinal, se a democracia tem um vínculo muito forte com o liberalismo, segundo Bobbio, e se o liberalismo, pelo menos em tese, pressupõe a competitividade, não há porquê o sistema representativo partidário formal deter o monopólio da representação política.
Segundo pesquisa realizada pelo Latinobarômetro, entre junho e julho de 1998, no Brasil há somente 50% da população que é favorável à democracia como a melhor forma de governo. Ora, um dado dessa natureza mostra de forma cabal a não ressonância do discurso democrático,como referido por Weffort, em boa parte da população
Dessa maneira, embora o resultado apresentado da pesquisa seja genérico, percebe-se que há algo errado com o nosso sistema político.
Penso que, mesmo que as organizações representativas não sofressem o fenômeno da oligarquização de suas tomadas de decisão como colocado por Michels, há exemplos de distorções de nosso sistema partidário como no caso da distribuição de cadeiras na Câmara dos deputados: nos anos 90, o PFL (Partido da Frente Liberal) detinha 40 cadeiras de deputados a mais que o PT (Partido dos Trabalhadores), mas em número absoluto de votos o PFL havia obtido 12,9% contra 12,8% do PT. Em outras palavras, havia uma super-representação política do Norte/Nordeste, já que o PFL era mais votado nessa região, e uma subrepresentação do Centro/Sul.
Essa questão somada à outras tantas, como tentei inferir, levam à apatia e à despolitização da sociedade. Se não são enfrentada, é porque há um trânsito “conveniente” entre a pequena “mancha” de poliarquia formal existente e a imensa massa inserida no “hobbesianismo social”. Numa palavra, há uma “cultura da dissimulação” dos problemas existentes em relação tanto à vida pessoal quanto das organizações democráticas.
Analisando o fenômeno do poder do oligopólio partidário na representação formal, no Brasil, sob a concepção de Burocracia em Max Weber, vê-se que o referido fenômeno insere-se, entre outros tópicos que irei correlacionar, na abordagem do “nivelamento das diferenças sociais”. Nesta parte de seu trabalho, o autor coloca que a aproximação da democracia de massas com a burocracia deve-se a gênese desta em relação à impessoalidade no tratamento das funções administrativas, ou seja, “todos são iguais perante a lei”. Contudo, no oligopólio existente na representação formal exercido pelos partidos políticos, aqui entendidos como burocracias, não há, necessariamente, uma democracia, ou seja, como coloca Weber: “a própria demos, no sentido de uma massa inarticulada jamais governa as associações maiores; ao invés disso é governada, e sua existência apenas modifica a forma pela qual os líderes executivos são selecionados...” Nessa questão, Robert Michels é mais incisivo do que Weber quando coloca que apesar de a democratização caminhar junto com a burocracia no início de seu desenvolvimento, ela torna-se um fim em si mesma e de forma irreversível.
Se, para Weber, o Estado moderno tem no seu tamanho ou desenvolvimento uma relação proporcional à base burocrática e se os partidos políticos autênticos estão inseridos em semelhante relação, então a oligopolização existente em relação ao sistema partidário de representação formal no Brasil, embora burocratizada, carece de autenticidade e modernidade, uma vez que não tem conseguido a legitimação, por parte dos eleitores, no processo representativo.
O autor coloca que a democracia é conflituosa com a burocracia, apesar de ter sido,e por isso mesmo, consequência “não-intencional” dela. Nesse sentido, o autor vai denominar de “democratização passiva” a referida consequência “não-intencional”. Seguindo este raciocínio, a radicalização por parte de outros setores da sociedade que, segundo Weffort, estão fora dos mecanismos de participação efetiva, através da exigência do tratamento em que “todos são iguais perante a lei”, pode contribuir para uma maior democratização da sociedade. De outra forma, a exigência da diminuição de poder das organizações burocráticas feita pela opinião pública, lideranças econômicas, sociais e políticas pode constituir-se num entrave ao referido poder burocrático e, por conseguinte, contribuir para o ajustamento do demos em relação a polis. Numa palavra, apesar do poder, que em condições “normais” a burocracia possui, dos aparatos burocráticos, é possível trabalhar no sentido de evidenciar as incongruências no sistema burocrático-oligopolizado da representação formal, de nosso país, frente as demandas de seus clientes, ou seja a população.
Se há apatia da população em relação à participação nas organizações democráticas, ou seja, à própria democracia num sentido lato, conforme tenta demonstrar o sociólogo Francisco Weffort, bem como a pesquisa do Latinobarômetro; se a polis não consegue acompanhar o desenvolvimento do demos e há a “lei de ferro das oligarquias políticas”, onde as organizações se burocratizam e tornam-se um fim em si mesmas, segundo Wanderley Guilherme e Robert Michels; se no estudo de Max Weber, sobre a burocracia, há a colocação de que as massas inarticuladas não tem poder sobre as organizações ou que a democracia é conflituosa com a burocracia, apesar de ter sido consequência do desenvolvimento burocrático; então, há a necessidade de uma revisão bibliográfica acerca do tema: o monopólio da representação partidária formal no Brasil e sua legitimação frente as demandas sociais.
Apatia política, partidos e burocracia insere-se, assim, na preocupação e atualidade que esses temas têm requerido dentro do contexto sócio-político brasileiro.


Luiz Fernando da Silva

sexta-feira, 18 de abril de 2014

APATIA POLÍTICA, PARTIDOS E BUROCRACIA (continuação)



Aspectos estruturais

Norberto Bobbio[1] apresenta outros fatores que contribuem para o descrédito da democracia: a demora no atendimento das demandas da população (e isso quando tais demandas são, de fato, atendidas); a continuação das oligarquias no poder; o poder invisível; o poder da tecnocracia...Ora, sabemos que no autoritarismo, como a demanda é reprimida, o atendimento às poucas demandas que surgem é rápido, já que não depende de exaustivas discussões.
Segundo Bobbio[2], na questão sobre a qual a população participa do usufruto e não da gerência da democracia é outro fator de apatia política. Ainda segundo ele, o neocorporativismo reforça essa apatia política, ou seja, se os representantes (capas pretas no jargão político e sindical) se articulam no poder (ainda que sejam opostos, politicamente, entre si), a despeito da população, não há motivos claros para me convencer de que minha participação valha à pena para mudar um determinado estado de coisas.
Um aspecto que é discutido por Wanderley Guilherme dos Santos[3] é sobre a representação dos partidos políticos como veículos dos anseios da população.
Sobre a adequação dos partidos políticos na transição e pós-transição dos regimes autoritários, Wanderley coloca que: “...os partidos políticos tendem a desempenhar um papel eminentemente estratégico: tanto favorecendo o parto de uma nova ordem pelo uso do monopólio da representação política formal que detém e pelo reconhecimento de seu declínio enquanto oligopólio de participação; ou dificultando a transformação política pela pretensão de reter, juntamente com o monopólio da participação. Nesse último caso, os partidos políticos latino-americanos arriscam-se a erosão de sua legitimidade, fenômeno que afeta todos os sistemas partidários ocidentais”.
O autor faz essas discussões em meados da década de 1980. Naquele momento, Wanderley coloca que a representação partidária, apesar de sua histórica decadência, tinha um papel importante, já que estava em transição um sistema autoritário para um sistema democrático. Mas a medida que a liberalização avança, terá a representação partidária (política formal) capacidade para se ajustar ou abarcar as novas demandas? O autor coloca que “... a lei de ferro da oligarquia foi e é verdadeira em contextos nos quais o oligopólio da oferta de participação puder ser mantido pelo sistema partidário de representação”. Michels[4] me parece ser mais amplo, em seu conceito sobre a lei de ferro das oligarquias políticas, quando coloca que há descolamento entre os interesses dos dirigidos e os interesses das organizações (quando estas crescem em número de adeptos e também em suas estruturas): “tanto o Estado democrático, um partido político ou uma liga de resistência proletária...”





[1][1]  O Futuro da Democracia, p. 26 passim.
[2][2]  Op. Cit., pp. 26-27.
[3][3]  O século de Michels, Revista de Ciências Sociais, Vol. 28, n.º 03, p 298.
[4][4]  As tendências burocráticas das organizações partidárias IN Política e Sociedade, p. 79.