A
terminologia “Estado Social” tem, a meu ver, uma conotação bastante recente. A
mesma refere-se, de forma preponderante, à “ ... estrutura de poder público nas
sociedades capitalistas altamente industrializadas e de constituição
democrática, como aquelas situadas em toda a Europa Ocidental, Escandinávia e
América do Norte”.
“Depois da II Guerra
Mundial, nas sociedades industriais ocidentais mais desenvolvidas, foi possível
aperfeiçoar e unificar em parte os sistemas da seguridade e da parcial
influência econômica por parte do Estado.” Dessa maneira, as políticas adotadas
pelo Partido Trabalhista inglês entre 1945 e 1951, através do Plano BEVERIDGE;
os resultados obtidos através da efêmera colaboração entre todos os partidos
antinazistas na França; a política social continuada e generalizada a partir
dos partidos trabalhistas reformistas desde 1932 na Suécia, foram exemplos de
como o “Estado Social” passava a ter supremacia perante aos Estados com
estruturas de poder público diferentes. Contudo, nos exemplos acima, os Estados
continuaram dentro da ordem capitalista.
Se no sentido estrito,
atualmente, entende-se o “Estado Social” a partir desta conotação; no sentido
amplo, nada impede que o tomemos como sinônimo de “Controle Social”. É claro que
devemos situar esta conotação a partir do sentido amplo.
Locke e Hobbes têm
pressupostos iniciais bem como gerais comuns em relação ao desenvolvimento da
sociedade. Tanto um como outro veem o contrato
social (Estado Social) como um mecanismo importante para os indivíduos que
vivem num estágio pré-político e pré-social.
Nos aspectos mais
específicos da visão de mundo de ambos os filósofos é que se encontra, contudo,
as diferenças.
Para Locke, no estado
pré-social e pré-político havia harmonia e propriedade individual dada pela
capacidade do trabalho, também, individual. Já para Hobbes, o que havia era uma
luta de todos contra todos bem como a ausência de propriedade privada.
No que concerne ao fato de
que no estado de natureza, segundo
Locke, era Deus o proprietário de tudo e que o homem foi se apoderando das
propriedades segundo a sua capacidade de trabalho; Hobbes coloca que, em
relação a Deus, trata-se de uma questão de consciência ou de fé, mas o que vale
mesmo no aspecto terreno são as leis positivas do Estado Social.
Se os indivíduos, segundo Locke,
se unem voluntariamente através de um pacto
de consentimento para criar leis que protejam as propriedades já existentes
no plano individual no estágio pré-político; Hobbes coloca que a união dos
indivíduos se dará a partir de um pacto
de submissão para criar leis que possam assegurar a existência de
propriedade privada, uma vez que a mesma inexistia no plano individual no
estágio pré-político.
Para Locke, uma vez criado o
pacto de consentimento, a forma de governo a ser implantado
deveria partir do princípio da maioria
respeitando os direitos da minoria. Portanto, a meu ver, o que se depreende da
visão lockeana é que a criação do Estado Social seria uma espécie de “salto de
qualidade”, ou seja, uma necessidade consentida apenas como um bem necessário.
Já para Hobbes, uma vez criado o pacto
de submissão, a forma de governo
deveria ser a monarquia absoluta. O Estado Social seria decorrência da
necessidade de um “árbitro” forte por parte dos indivíduos e, para ser forte,
deveria ser absoluto (soberano). O que se depreende, a meu ver, das colocações
hobbesiana é que o Estado Social seria uma necessidade imposta, um mal
necessário, um monstro, ou seja, um Leviatã.
Se na concepção de Locke,
não importa a forma do Estado, desde
que seja respeitada a propriedade privada; Hobbes coloca que a forma do Estado importa sim, ou seja,
deve ter um poder uno, desde que legitimado pelos súditos, para garantir a
existência da propriedade privada, que não existia no estágio pré-político.
A propriedade privada deve
ser respeitada, segundo Locke, pelo Estado Social, não importando se este
Estado é dividido entre executivo e legislativo ou não. Quando isso não ocorre,
o Estado Social perde o sentido de sua existência. Portanto, se existir uma
guerra para restabelecer o direito de propriedade, a mesma é considerada justa.
Para Hobbes, a existência ou não da propriedade privada é determinada pelo
Estado Social, uma vez que foi somente a partir da existência dele que foi possível
a interação entre os indivíduos de forma ordenada. Portanto, a existência ou
não da propriedade privada é decorrência da vontade do soberano e não da
existência em si do Estado Social. Outrossim, a legitimidade do soberano é dada
pela sua força de permanecer no poder e não da garantia ou não da propriedade
privada. Nesses termos, a guerra é justa não porque houve vitória bem como
direito sobre os vencidos, mas sim porque há um pacto de submissão que obriga
os vencidos a aceitar a autoridade do soberano.
Para a história política,
segundo Bobbio, o pensamento lockeano dará suporte aos direitos humanos a
partir de sua defesa da vida, da liberdade e da propriedade privada, o que lhe
dará o título de pai do individualismo
liberal. Em outras palavras, devido as linhas mestras de seu pensamento, o
mesmo lançou as bases do Estado liberal.
A meu ver, seguindo o
raciocínio de Hobbes, pode-se afirmar que este autor tornou-se precursor de um
Estado forte e pragmático a partir de seu governante. Decorre dessa visão, um
Estado interventor na sociedade, reificado como o todo poderoso e absolutista a
partir da sua legitimação pelo pacto de
submissão.
O que mais me chamou atenção
na visão de mundo de ambos os filósofos é que, apesar de partirem de
pressupostos iniciais semelhantes, especificamente, Locke tem como ponto de
partida o consentimento dos indivíduos para se chegar ao governo do Estado e,
dessa forma, garantir de vez a propriedade conquistada pelos indivíduos de
forma individual. De forma sintética, Locke inicia-se das partes para se chegar
ao todo. Hobbes parte de uma “massa amorfa” constituída pelos seres humanos e
que somente um ente superior originado de um mínimo de racionalidade humana (o pacto de submissão) poderia dar a forma
necessária à individualidade para a existência daquele ente superior. De forma
também sintética, pode-se dizer que Hobbes parte-se do todo (uno) para se
chegar às partes.
A democracia, tal qual
conhecemos, tem a sua base no liberalismo. A respeito dessa colocação, Norberto
Bobbio faz a seguinte afirmação: “... o estado liberal é o pressuposto não só
histórico, mas jurídico do Estado democrático. Estado liberal e estado
democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do
liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades
para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da
democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático
para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais”.
A noção de “guerra justa”,
quando o que está em jogo é a propriedade privada, está ligada ao pensamento de
Locke.
A propósito dessa noção,
Bobbio envolve-se numa polêmica em 1991, através de uma entrevista dada na
Itália e publicada pela Folha de S. Paulo em 18-01-91, sobre a Guerra do Golfo
Pérsico, onde o Iraque invadira o Kuwait. Naquela entrevista, ele coloca que
“... considera justa a guerra contra Saddam.” Dada a repercussão negativa de
sua colocação, principalmente entre os pacifistas, ele a reconsidera numa outra
entrevista, também publicada pelo mesmo jornal, em 10-03-91. Para tanto, evoca
a “ética da responsabilidade” weberiana onde, embora justa, a necessidade de
uma guerra deve ser precedida de uma fundamentada previsão de seus efeitos nos
dias atuais.
A afirmação do pensamento
lockeano através do individualismo liberal será o grande contraponto filosófico
para as discussões posteriores em torno da importância do coletivismo Hobbesiano.
Resumindo, as discussões girarão em torno de qual paradigma é mais bem adequado
aos estudos sobre as sociedades: o que toma como referência o indivíduo (Locke)
ou o que toma como referência a sociedade (Hobbes).
Luiz Fernando