terça-feira, 10 de junho de 2014

BREVE HISTÓRIA DE MEIO SÉCULO NO CHILE

                        
Belarmino Elqueta R.
Alejandro Chelén R.

O que ficou da Colonização espanhola

Para os autores, o Chile, desde a sua independência da Espanha, como de resto toda a América Latina, ficou na órbita econômica da metrópole de então, a Inglaterra.
Neste breve relato, não há muitas remissões ou relações de forma direta com a herança colonial espanhola. Entretanto, os autores, vez por outra, nos remetem a referida herança. Nesse sentido, é interessante frisar que o “caldo cultural” que permeia a sociedade chilena está intimamente relacionado com a cultura da dominação colonial espanhola.
A meu ver, quando os autores colocam que o sistema mono- produtor é uma herança do modelo imperialista, fica claro que há uma relação direta com o período colonial.
As referências feitas ao longo do texto ao sistema de propriedade da terra, também, tem, de forma implícita, relação direta a herança colonial.
Os autores fazem uma observação sobre o caráter exageradamente normativo, no sentido estrito de norma, dos ideólogos da Revolução de 1810 e autores da Constituição chilena: havia muita preocupação com a forma e não com o conteúdo; em outras palavras, ficava evidente a preocupação em elaborar uma boa constituição, mas não havia empenho em dar condição ao povo de exigir o seu cumprimento. Dessa forma, isso denotava claramente, o caráter colonial, ou seja, importava-se com ideais sem reais condições de operacionalizá-los. A cultura latina é pródiga nesse detalhe, ou seja, haja vista o “jeitinho brasileiro”, onde se cria violência para vender segurança.
Em relação aos partidos políticos, o Partido Conservador mantinha, no século passado, uma disciplina baseada no período colonial de autocrítica. Já o Partido Radical, fundado em 1813,  frisa  que tinha seus ideais baseado no racionalismo europeu. Em outras palavras, o Partido Radical reivindicava, desde o seu surgimento, a separação entre Igreja e Estado, ensino laico.

O Neocolonialismo

O limite, do ponto de vista histórico, segundo os autores, entre o colonialismo e o neocolonialismo vai ser a independência do Chile em relação à metrópole espanhola. Apesar de, cronologicamente, à época da independência chilena ser ainda uma época do colonialismo, a relação com a Inglaterra, a meu ver, vai se dar dentro do contexto do neocolonialismo. Numa palavra, embora não dependesse diretamente da Inglaterra, a relação do Chile com ela era de vassalagem.
O proeminência do neocolonialismo inglês vai até a Primeira Guerra Mundial. Nessa época, vai se dar um limite, do ponto de vista econômico, entre o neocolonialismo inglês e o neocolonialismo americano. A partir de então, a influência americana será a tônica na história chilena.
Nos pós-Segunda Guerra, devido a divisão do mundo em dois blocos, soviético e  americano, o Chile alinha-se com o chamado “mundo livre” capitaneado pelos Estados Unidos da América.
Segundo os autores, em conformidade com a “Aliança  para o Progresso”, o Chile experimentou uma reforma agrária que favorecia mais o latifundiário do que o camponês. Resumindo, pagava-se muito dinheiro pela desapropriação de terras, já que o parcelamento do latifúndio era de forma voluntária.
A política desenvolvimentista empreendida no governo de Eduardo Frei, 1964-70, estava em consonância com os EUA. Havia uma combinação do capital americano com o capital nacional. Através da política econômica de Frei, o Estado compraria 51% das ações das empresas de capital americano na área de produção do cobre. O que aconteceu, porém, é o que o Estado pagou pelos 51% das ações o valor de 100% das ações, ou seja, o Estado capitalizou as empresas americanas com o dinheiro do contribuinte chileno. Assim, o Estado chileno, através do governo de Eduardo Frei, fez uma espécie de política nacionalista através de um “entreguismo” puro e simples.
O neocolonialismo no Chile, até a eleição de Salvador Allende em 1970, tinha sido tão eficiente que havia retirado em riqueza o dobro do capital investido no país. Das divisas externas em dólar que entravam no país, cerca de 80% eram provenientes da exploração da mineração que, graças as negociatas do governo de Eduardo Frei em 1964, tinha participação de “somente” 49% das ações em mãos do capital americano, mas estava capitalizados e, em muitos casos, com administração das empresas em suas mãos.
O “...processo de concentração monopólica da indústria chilena sobre a base da empresa estrangeira tem profundas implicações em: 
1 – gestão do sistema de produção do país a partir dos interesses   estrangeiros;
2– pagamento de “royalties” às empresas estrangeiras, ou seja, aos países neocolonialistas;
3 - superexploração do trabalho;
4 – Centros de decisões no estrangeiro.
Em relação ao sistema partidário, a Democracia Cristã era a representante “legítima” dos interesses americano no Chile. Para tanto, a sua inserção no meio operário bem com a vitória nas eleições foi financiado pelos consórcios monopolistas e a Central de Inteligência Americana, CIA.
As empresas monopolistas americanas tiveram participação ao lado da burguesia nacional chilena na tentativa de golpe em 1970, visando impedir a posse de Salvador Allende como presidente da República.
Para os autores, o Chile teve dois golpes entre 1970, com o assassinato de guerra, René Schneider e de outro oficial, o general Carlos Prats, e 1973, com o golpe militar que derruba o presidente constitucionalmente eleito Salvador Allende. Nos dois golpes, ficou demonstrado o envolvimento do imperialismo neocolonialista norte-americano e da burguesia local, através do planejamento, financiamento e execução dessa ação.
Como o governo de Allende era voltado para os interesses populares, os interesses neocolonialistas sentiam-se prejudicados. Dessa forma, não poderiam, segundo os autores, deixar de apoiar todas as ações que visavam minar aquele poder.
A coação por todos os meios e, principalmente pelo meio considerado mais forte, que é o poder econômico, tinha como interesse derrubar um governo democraticamente eleito. Aliás, isso deixa claro que a democracia era defendida somente no discurso pelos algozes do governo de Allende.
A propósito, o neocolonialismo norte-americano fazia uma campanha mundial tentando convencer os demais países de que o governo de Allende era uma ditadura “marxista”.
No governo de Allende havia liberdade para que a sociedade civil se manifestasse de acordo com o que assegurava a constituição. É nessa situação que a conspiração neocolonialista encontra campo fértil para executar os seus planos de derrubada do poder constituído.
O neocolonialismo é tão forte que até os países neocolonializados o defende. Por ocasião do golpe de Estado dado pelos militares chilenos, a nação americana foi a primeira a reconhecer o novo governo seguido da Grã-Bretanha, França e, vejam só, o Brasil.

(continua)


terça-feira, 3 de junho de 2014

APATIA POLÍTICA, PARTIDOS E BUROCRACIA - CONCLUSÃO

O que tento demonstrar, nessas citações de Wanderley e de Michels, é que o discurso arraigado e generalizado de que a representação político- partidária formal tem que ser valorizada ou reestruturada, para que a democracia se solidifique em nosso país, tenta fazer o demos se ajustar a polis. Apesar do discurso a favor do fortalecimento do sistema representativo político-partidário formal ser generalizado, pelo menos teoricamente, sabe-se que a maioria dos partidos políticos toma suas decisões através do neocorporativismo entre as suas cúpulas. O discurso corrente é que a democracia é incipiente ou fraca porque não existe partidos políticos fortes. Por outro lado, como dito acima, não há interesse em fortalecer o sistema político-partidário formal. Essa situação leva a população a não acreditar no sistema representativo político. É comum ouvirmos que o eleitor vota no candidato e não no partido. O pior, para o próprio povo, é que apesar de o eleitor pensar assim, ao votar, ele está votando no partido primeiramente, já que o mecanismo proporcional de eleição conta os votos, antes, no partido e só depois no candidato. Assim, há um paradoxo: os partidos políticos detém o monopólio da representação e, ao mesmo tempo, são desacreditados como veículos de representação. Esse fator levaria à exaustão o sistema representativo, caso o voto não fosse obrigatório.
Qual a saída para esse impasse? Se há apatia popular pelos partidos políticos formais, que funcionam, em sua maioria, como legendas de aluguel, mas que detém o monopólio da representação, mas que não representam efetivamente os anseios populares, o que fazer com a democracia contemporânea que necessita dessas organizações? Se o Estado contemporâneo possui uma infinidade de agências como comissões e conselhos que funcionam, segundo Wanderley, como minilegislativos sem o controle popular através do voto e, se a sociedade civil possui outras tantas agências como Organizações Não-Governamentais ‘ONGs p. ex.’ que o sistema partidário formal nunca consegue abarcar, não há motivos plausíveis para que o monopólio da representação política formal continue sendo partidário. Caso houvesse a revogação de tal monopólio, a democracia semidireta, como colocado por Maria Vitória Benevides, seria ampliada. Isso levaria a uma maior competitividade entre as representações e pelo viés dessa nova realidade, a meu ver, haveria o próprio fortalecimento dos partidos políticos formais, que, nesse caso, não mais estariam inseridos no oligopólio da representação formal de fato e não no discurso como se tem apregoado.
Um interlocutor atento poderia objetar que bastaria modificar o funcionamento dos partidos políticos formais, criando mecanismos de fidelidade partidária, sistema de voto misto como distrital e proporcional, abolição do voto obrigatório... que o sistema representativo político formal adquiriria funcionalidade e não necessitaria da revogação do monopólio partidário da representação formal. Wanderley responde essa questão quando coloca que a polis não consegue acompanhar o desenvolvimento do demos. Dessa maneira, essas mudanças atenuaria a crise da representação partidária, mas não avançaria muito. Afinal, se a democracia tem um vínculo muito forte com o liberalismo, segundo Bobbio, e se o liberalismo, pelo menos em tese, pressupõe a competitividade, não há porquê o sistema representativo partidário formal deter o monopólio da representação política.
Segundo pesquisa realizada pelo Latinobarômetro, entre junho e julho de 1998, no Brasil há somente 50% da população que é favorável à democracia como a melhor forma de governo. Ora, um dado dessa natureza mostra de forma cabal a não ressonância do discurso democrático,como referido por Weffort, em boa parte da população
Dessa maneira, embora o resultado apresentado da pesquisa seja genérico, percebe-se que há algo errado com o nosso sistema político.
Penso que, mesmo que as organizações representativas não sofressem o fenômeno da oligarquização de suas tomadas de decisão como colocado por Michels, há exemplos de distorções de nosso sistema partidário como no caso da distribuição de cadeiras na Câmara dos deputados: nos anos 90, o PFL (Partido da Frente Liberal) detinha 40 cadeiras de deputados a mais que o PT (Partido dos Trabalhadores), mas em número absoluto de votos o PFL havia obtido 12,9% contra 12,8% do PT. Em outras palavras, havia uma super-representação política do Norte/Nordeste, já que o PFL era mais votado nessa região, e uma subrepresentação do Centro/Sul.
Essa questão somada à outras tantas, como tentei inferir, levam à apatia e à despolitização da sociedade. Se não são enfrentada, é porque há um trânsito “conveniente” entre a pequena “mancha” de poliarquia formal existente e a imensa massa inserida no “hobbesianismo social”. Numa palavra, há uma “cultura da dissimulação” dos problemas existentes em relação tanto à vida pessoal quanto das organizações democráticas.
Analisando o fenômeno do poder do oligopólio partidário na representação formal, no Brasil, sob a concepção de Burocracia em Max Weber, vê-se que o referido fenômeno insere-se, entre outros tópicos que irei correlacionar, na abordagem do “nivelamento das diferenças sociais”. Nesta parte de seu trabalho, o autor coloca que a aproximação da democracia de massas com a burocracia deve-se a gênese desta em relação à impessoalidade no tratamento das funções administrativas, ou seja, “todos são iguais perante a lei”. Contudo, no oligopólio existente na representação formal exercido pelos partidos políticos, aqui entendidos como burocracias, não há, necessariamente, uma democracia, ou seja, como coloca Weber: “a própria demos, no sentido de uma massa inarticulada jamais governa as associações maiores; ao invés disso é governada, e sua existência apenas modifica a forma pela qual os líderes executivos são selecionados...” Nessa questão, Robert Michels é mais incisivo do que Weber quando coloca que apesar de a democratização caminhar junto com a burocracia no início de seu desenvolvimento, ela torna-se um fim em si mesma e de forma irreversível.
Se, para Weber, o Estado moderno tem no seu tamanho ou desenvolvimento uma relação proporcional à base burocrática e se os partidos políticos autênticos estão inseridos em semelhante relação, então a oligopolização existente em relação ao sistema partidário de representação formal no Brasil, embora burocratizada, carece de autenticidade e modernidade, uma vez que não tem conseguido a legitimação, por parte dos eleitores, no processo representativo.
O autor coloca que a democracia é conflituosa com a burocracia, apesar de ter sido,e por isso mesmo, consequência “não-intencional” dela. Nesse sentido, o autor vai denominar de “democratização passiva” a referida consequência “não-intencional”. Seguindo este raciocínio, a radicalização por parte de outros setores da sociedade que, segundo Weffort, estão fora dos mecanismos de participação efetiva, através da exigência do tratamento em que “todos são iguais perante a lei”, pode contribuir para uma maior democratização da sociedade. De outra forma, a exigência da diminuição de poder das organizações burocráticas feita pela opinião pública, lideranças econômicas, sociais e políticas pode constituir-se num entrave ao referido poder burocrático e, por conseguinte, contribuir para o ajustamento do demos em relação a polis. Numa palavra, apesar do poder, que em condições “normais” a burocracia possui, dos aparatos burocráticos, é possível trabalhar no sentido de evidenciar as incongruências no sistema burocrático-oligopolizado da representação formal, de nosso país, frente as demandas de seus clientes, ou seja a população.
Se há apatia da população em relação à participação nas organizações democráticas, ou seja, à própria democracia num sentido lato, conforme tenta demonstrar o sociólogo Francisco Weffort, bem como a pesquisa do Latinobarômetro; se a polis não consegue acompanhar o desenvolvimento do demos e há a “lei de ferro das oligarquias políticas”, onde as organizações se burocratizam e tornam-se um fim em si mesmas, segundo Wanderley Guilherme e Robert Michels; se no estudo de Max Weber, sobre a burocracia, há a colocação de que as massas inarticuladas não tem poder sobre as organizações ou que a democracia é conflituosa com a burocracia, apesar de ter sido consequência do desenvolvimento burocrático; então, há a necessidade de uma revisão bibliográfica acerca do tema: o monopólio da representação partidária formal no Brasil e sua legitimação frente as demandas sociais.
Apatia política, partidos e burocracia insere-se, assim, na preocupação e atualidade que esses temas têm requerido dentro do contexto sócio-político brasileiro.


Luiz Fernando da Silva