A partir do
Contrato Social, o liberalismo político lockeano assenta-se no Pacto do
Consentimento. Como John Locke concebe esse aspecto? Para ele, os homens viviam
em total liberdade e igualdade no Estado de Natureza, ou seja, no
Jusnaturalismo. No entanto, o Estado de Natureza era caracterizado como um
estágio pré-social e pré-político. Nesse estágio, apesar de suas qualidades,
havia a necessidade de segurança dos indivíduos, já que poderiam surgir
desavenças a respeito do direito de propriedade relativa aos bens genéricos
como a vida, a liberdade, ou aos bens específicos como a posse de bens móveis.
A esse direito de propriedade, no sentido amplo, Locke denomina como direitos
naturais do ser humano.
É a partir dos
possíveis problemas que poderiam advir que Locke concebe a união dos indivíduos
livremente em torno de um projeto comum: um Pacto de Consentimento que levará
ao Contrato Social.
Após a
materialização do Contrato Social, Locke coloca que o próximo passo será a forma
de governo. Para tanto, seguindo a visão de mundo liberal do autor, os
indivíduos devem escolher o princípio da maioria com, necessariamente, respeito
à minoria. A partir de então, estaria criado a sociedade política.
À relação
entre governante/governado, Locke é peremptório: não existe! O seu argumento é
que na sociedade política, através do Contrato Social, o que existe é uma
relação de homens igualmente livres. Numa palavra, o Contrato Social não
criaria nenhum direito novo, ou seja, fundamentar-se-ia no direito que já
existia no Estado de Natureza.
Uma possível comparação
dos ideais lockeano de Contrato Social e Relação Governante/Governado com a
realidade política do Brasil atual devem ser situadas, primeiramente, a partir
do contexto da formação do Estado Brasileiro. Afinal, o desenvolvimento do
liberalismo lockeano até os nossos dias, evidentemente, partiu de pressupostos do
Pacto de Consentimento, Princípio da maioria, que não existiram na formação do
Estado Brasileiro.
A colonização
do Brasil se deu a partir do absolutismo reinante na Península Ibérica. Dessa
forma, a propriedade, na concepção de Locke, não foi conquistada pelos
indivíduos que apresentassem características, como força física, suficiente
para explorá-las, mas por doação da Coroa Portuguesa àqueles que lhes convinha.
A formação da
sociedade política brasileira não foi por Pacto de Consentimento, nos termos de
Locke, mas sim por um "Pacto de Lealdade" à Coroa.
Dadas as
brevíssimas colocações sobre o “Pacto de Lealdade” que, a meu ver, tornar-se-ão
o suporte do "desenvolvimento" político do Brasil, farei, a seguir,
uma analogia dos referidos aspectos do pensamento lockeano com a realidade
brasileira atual.
O aparecimento
da moeda, segundo Locke, tornaria a propriedade privada ilimitada, ao contrário
de quando ela era limitada e conquistada somente pela capacidade de
trabalho. No Brasil atual, essa característica ilimitada da propriedade é o que
transpassa na sociedade. Para ilustrar essa colocação, citarei o relatório do
IBGE/2011, onde a distância entre os ricos e os pobres brasileiros ainda é
muito grande: da riqueza nacional, os 20% mais ricos detêm 57,7% e os 40% mais
pobres apenas 11%. Outro dado ilustrativo é o índice de mais de 9% de
analfabetismo ainda existente no país.
A realidade
política do Brasil atual está inserida num panorama em total contradição com o
Contrato Social Lockeano. Para tanto, o cientista político, Wanderley Guilherme
dos Santos, coloca que temos um grande número de agências como instituições
políticas. Assim, nesse quesito, nos aproximamos das grandes poliarquias
modernas como as democracias européias. Entretanto, apesar de haver um grande
número de filiados a essas agências, não há o mecanismo de cidadania, ou seja, elas
só existem no papel. Wanderley coloca que o que existe de fato, e generalizado,
é uma luta de todos contra todos, no que ele chama de hobbesianismo social. Em
outras palavras, há apenas "manchas" de poliarquia na sociedade, como
os sindicatos, os partidos políticos, os conselhos de classes, os conselhos
populares, nas chamadas organizações societárias. É a poliarquia envolta pelo
hobbesianismo social.
Ora, o
Contrato Social, concebido por Locke, previa uma sociedade de cidadãos, Nesse
sentido, a criação da sociedade política teria que responder aos interesses da
maioria e não de uma minoria, como acontece no Brasil. Locke é incisivo: a
criação da sociedade política pelo do Contrato Social é apenas para
complementar, através da segurança, da justiça, a situação de liberdade e
igualdade que os indivíduos vivenciavam no Estado de Natureza. No Brasil, a
sociedade política, nos termos de Wanderley, é apenas, no sentido geral, uma
sociedade do "faz-de-conta". O que existe mesmo é um desregramento
social arraigado e, nesse sentido, diametralmente oposto à tese de Locke.
No que
concerne à relação Governante/Governado, o que existe de fato no Brasil atual é
uma sociedade permeada pela desigualdade. Portanto, a relação de igual
preconizada por Locke, através da criação da Sociedade Política, não existe em
nosso país. O que sobra é uma sociedade onde o público e o privado é manipulado
ao bel-prazer da elite política até os nossos dias. Para ilustrar o poder da
elite, basta citar que na história do Estado de Minas Gerais, pouco mais de uma
dezena de famílias dominam a cena política através da governadoria. E na
sociedade política mineira, até a década de 70, o que predominava era o setor
agrário e a relação clientelística com o poder.
Ora, se há
mistura entre o público e o privado; se somente uma minoria usufrui dessa
"nefasta" mistura; se o indivíduo é um cliente político, logo ele é
um dependente de favores do Estado e, consequentemente, não é um cidadão igual
na relação com os governantes. Então, efetivamente, não há liberalismo e,
consequentemente, não há capitalismo baseado na iniciativa privada. Por último,
mas não menos importante, não há o Contrato Social. O que há, nos termos de
Locke, é uma relação governante/governado.
Luiz Fernando da
Silva