sexta-feira, 18 de abril de 2014

APATIA POLÍTICA, PARTIDOS E BUROCRACIA (continuação)



Aspectos estruturais

Norberto Bobbio[1] apresenta outros fatores que contribuem para o descrédito da democracia: a demora no atendimento das demandas da população (e isso quando tais demandas são, de fato, atendidas); a continuação das oligarquias no poder; o poder invisível; o poder da tecnocracia...Ora, sabemos que no autoritarismo, como a demanda é reprimida, o atendimento às poucas demandas que surgem é rápido, já que não depende de exaustivas discussões.
Segundo Bobbio[2], na questão sobre a qual a população participa do usufruto e não da gerência da democracia é outro fator de apatia política. Ainda segundo ele, o neocorporativismo reforça essa apatia política, ou seja, se os representantes (capas pretas no jargão político e sindical) se articulam no poder (ainda que sejam opostos, politicamente, entre si), a despeito da população, não há motivos claros para me convencer de que minha participação valha à pena para mudar um determinado estado de coisas.
Um aspecto que é discutido por Wanderley Guilherme dos Santos[3] é sobre a representação dos partidos políticos como veículos dos anseios da população.
Sobre a adequação dos partidos políticos na transição e pós-transição dos regimes autoritários, Wanderley coloca que: “...os partidos políticos tendem a desempenhar um papel eminentemente estratégico: tanto favorecendo o parto de uma nova ordem pelo uso do monopólio da representação política formal que detém e pelo reconhecimento de seu declínio enquanto oligopólio de participação; ou dificultando a transformação política pela pretensão de reter, juntamente com o monopólio da participação. Nesse último caso, os partidos políticos latino-americanos arriscam-se a erosão de sua legitimidade, fenômeno que afeta todos os sistemas partidários ocidentais”.
O autor faz essas discussões em meados da década de 1980. Naquele momento, Wanderley coloca que a representação partidária, apesar de sua histórica decadência, tinha um papel importante, já que estava em transição um sistema autoritário para um sistema democrático. Mas a medida que a liberalização avança, terá a representação partidária (política formal) capacidade para se ajustar ou abarcar as novas demandas? O autor coloca que “... a lei de ferro da oligarquia foi e é verdadeira em contextos nos quais o oligopólio da oferta de participação puder ser mantido pelo sistema partidário de representação”. Michels[4] me parece ser mais amplo, em seu conceito sobre a lei de ferro das oligarquias políticas, quando coloca que há descolamento entre os interesses dos dirigidos e os interesses das organizações (quando estas crescem em número de adeptos e também em suas estruturas): “tanto o Estado democrático, um partido político ou uma liga de resistência proletária...”





[1][1]  O Futuro da Democracia, p. 26 passim.
[2][2]  Op. Cit., pp. 26-27.
[3][3]  O século de Michels, Revista de Ciências Sociais, Vol. 28, n.º 03, p 298.
[4][4]  As tendências burocráticas das organizações partidárias IN Política e Sociedade, p. 79.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

APATIA POLÍTICA, PARTIDOS E BUROCRACIA


INTRODUÇÃO

Como militante sindical e, principalmente, militante em partido político, nunca consegui entender o fraco desempenho dos partidos políticos na relação orgânica com a sociedade. Incomodava-me muito o fato de as pessoas não darem a devida importância a que os partidos políticos, segundo o meu entendimento, mereciam. Ao estudar alguns aspectos do funcionamento dos partidos políticos, deparei-me com o trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos sobre o “Século de Michels”[1]. Para mim, este trabalho constituiu-se num “divisor de águas”. Em outras palavras, a partir dele, comecei a questionar o oligopólio formal da representação política em que estão inseridos os partidos políticos, seja enquanto canais de representação dos anseios dos segmentos sociais, seja na oferta de participação política. Numa palavra, não bastava ficar preocupado somente com a representação real dos partidos políticos na sociedade, mas de questionar a própria necessidade de representação exercida pelos partidos dentro do contexto da oligopolização da oferta de participação.


DESENVOLVIMENTO


Aspectos de conjuntura nacional


 No Brasil, segundo a Constituição federal, cap. IV, art. 14, parágrafo 3.º, há a seguinte colocação: “São condições de elegibilidade na forma da lei: ‘...’; V - a filiação partidária; ‘...’. Ora, se a partir da Constituição federal os partidos políticos detêm o monopólio da representação formal político-partidária, ou seja, estão inseridos no oligopólio formal da oferta de participação eletiva; se as disputas interpartidárias pelo poder carecem de partidos realmente fortes segundo uma certa organicidade de princípios, fidelidade real partidária... se o discurso corrente entre os defensores da democracia é o de que precisamos fortalecer as organizações partidárias para que tenham maior credibilidade junto à sociedade; se há necessidade do voto obrigatório; então, há algo de errado com o sistema político-partidário na representação formal existente em nosso país.
A propósito dessa situação, Francisco Weffort colocou que a vivência democrática do país no período recente coincidiu com uma crise aguda do Estado em termos sócio-econômico-financeiro. Se foi a crise que contribuiu para a edificação do estado de direito juntamente com a luta da sociedade civil, esse mesmo estado de direito (na ótica da população menos organizada) não tem conseguido dar resposta “satisfatória” a população em geral: não houve melhora real na distribuição de renda; os índices de desenvolvimento sociais, segundo a ONU, continuam sendo um dos piores do mundo; houve aumento do endividamento interno e externo; a corrupção continua impune...
 Para Weffort, é difícil para o político ou o intelectual, partidário da democracia, demonstrar para a massa que a mesma é a melhor forma de governo. 
Weffort[2] coloca que o raciocínio de Afonso Arinos de Mello Franco tem sentido quando o mesmo coloca que na história política do Brasil nunca houve a compatibilização entre liberdade e igualdade .

 O que dá para inferir a partir das observações de Weffort é que a apatia da população pela política nos últimos tempos, entre outros fatores como o social, histórico e cultural, é de conjuntura nacional, ou seja, a pouca eficiência prática da democracia a tem deixado num “lugar comum”, sem motivos para comemorar a sua reimplantação no país. Isso é terrível para a democracia, já que a mesma pressupõe participação da população e que esta não vê nela, concretamente e cotidianamente, atrativos para tal participação.
Recorrendo à terminologia de Robert Dahl,[3] Weffort coloca que há, no caso brasileiro e latino-americano, um “sistema dual” onde uma minoria que está integrada ao sistema usufrui dos mecanismos de participação efetiva, já quem está fora, a maioria, é vítima do regime de coerção.
No caso de nosso país, segundo ele, a população clama por melhores condições de vida e não consegue visualizar na democracia uma melhora no seu padrão de vida. Nesse sentido, o autor teme por uma banalização do regime democrático, onde seria aberto flancos para aventureiros de plantão tomarem o poder.
 Em relação aos movimentos sociais, Warren e Krischke[4] colocam bem a questão de que esses movimentos, ainda hoje, fazer política como um “biombo” para as grandes transformações sociais, vide socialismo, a despeito das melhorias imediatas na vida cotidiana da população. José Álvaro Moisés é um dos teóricos que trabalhava os movimentos sociais a partir desta tese. Já Éder Sader é um dos teóricos que tem uma concepção “diferente” da tese que Moisés trabalhava. Para Sader, há necessidade de valorizar os aspectos considerados mundanos, na vida da população, pelos teóricos das grandes transformações sociais. Essa concepção “diferente” tem aumentado os seus adeptos. Entretanto, ainda há grande apatia em participar dos movimentos sociais, tendo a tese das grandes transformações sociais contribuído para tal.

(continua) 

Luiz Fernando



[1] Revista de Ciências Sociais, RJ, Vol. 28, n.º 3, 1985, p.283-310.
[2]  Qual Democracia? P. 15

[3]  Qual Democracia? P. 23
[4]  UMA REVOLUÇÃO NO COTIDIANO? P. 42