A ÉTICA DA CONVICÇÃO E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE
A
dificuldade em separar o “joio do trigo” sempre foi uma característica do ser
humano. Esse fator se dá porque o “arco” de possibilidades a que estamos
submetidos é por muito complexo. Somando-se a isso, há outro fator, muito
importante, advindo da Revolução Industrial, onde foi dado ênfase na
especialização do homem em uma determinada atividade. Portanto, em consequência
desse fato, as pessoas começaram a separar as especialidades laborais do todo e,
por conseguinte, a misturarem as demais
atividades do seu cotidiano “num saco só.
Para
complicar o raciocínio, algumas visões de mundo do marxismo, apesar da ferrenha
crítica à “divisão social do trabalho”, colaboraram, em muito, para a
reprodução de uma verdadeira confusão em relação aos aspectos cotidianos do ser
humano. Dessa forma, qualquer ato cotidiano estaria inserido na visão global
das relações humanas. Em outras palavras, sentar-se a uma mesinha de bar para
tomar uma prosaica cervejinha era, e ainda é entendido como relacionado à
alienação política engendrada pelo capitalismo. Numa palavra, haveria a
necessidade de uma revolução socialista para estancar tal alienação. O neomarxista
Erik Olin Wright coloca que a patrulha ideológica é muita mais severa ao sujeito
que se declara de esquerda. Seguindo esse raciocínio, ainda que o sujeito siga quase
toda a cartilha socialista, um simples ato “contrário”, como descrito acima, o
desqualifica enquanto realmente de esquerda. Um maniqueísmo descabido.
Mas...
afinal, é possível separar as facetas que compõem o mosaico de uma dada
realidade em relação a um dado sujeito? Na verdade, a separação das facetas de
uma dada realidade exige do indivíduo uma grande dose de discernimento da zona
limítrofe entre elas. Contudo, a zona do limite é uma das coisas mais difíceis
de ser concebida pelo ser humano, dada a sua complexidade. Numa palavra, a zona
do limite, compreendida como o final de uma faceta da realidade e o início de
outra, é exatamente onde “mora o capeta”. A propósito, há um provérbio que
coloca que o “capeta” mora exatamente nos detalhes de uma dada realidade. No
caso da zona do limite, o provérbio cai como uma luva.
Bem,
há sempre o chamado senso comum supondo que tudo é a mesma coisa. Isso, de
fato, é necessário em certa medida, ou seja, não podemos ficar constantemente
raciocinando sobre os fatos que nos cercam. Assim, para facilitar a nossa vida
e, para de quebra, economizar cérebro, ligamos o “piloto automático” e levamos
a vida na melhor forma possível concebida dentro dos nossos limites de
raciocínio. Contudo, essa miscelânea com que trabalhamos aspectos importantes
de nossa vida acaba por colocar tudo numa vasilha. Assim, o sujeito acaba por tomar
atitudes de forma equivocadas relativas à sua própria vida.
Em
relação aos aspectos ligados às administrações públicas, a coisa se reproduz de
forma ampliada e, em consequência, muito pior. Trocando em miúdo, se o sujeito
representa os anseios de uma camada da população, se as suas atitudes mistura
os aspectos do cotidiano, logo o prejudicado não será somente o sujeito, mas
toda uma população que não tem como se safar das vicissitudes idiossincrásicas do
governante.
A
ética da convicção, nos termos weberiano, é exatamente isso. O indivíduo toma
as suas atitudes baseadas na sua visão de mundo. Ora, se o indivíduo não é
governante, o prejuízo, para a sociedade, é menor, o que já é um grande
problema. Entretanto, é um problema de cunho pessoal, ainda que, se reproduzido
na sociedade toda, acaba, também, por ser um problema social. Mas... esse
indivíduo, pelo menos, não ousou tentar ser o porta-voz de seus pares.
Quando atentamos para a ética
da responsabilidade, também nos termos weberianos, a realidade é,
necessariamente, outra. Ora, o indivíduo, agora, é governante. Suas atitudes
não podem ser baseadas somente em suas convicções pessoais. O indivíduo há que
se ater, sob pena de inviabilizar a sua carreira política e, o pior, da
sociedade como um todo, à separação do que é a sua convicção puramente pessoal
do que é responsabilidade enquanto governante.
Primeiramente, o governante,
quanto eleito, apesar de em muitos casos somente uma parte da sociedade ter votado
nele, é responsável por toda a sociedade. Nesse sentido, o mesmo deve ter claro
em mente o limite de suas convicções em relação à responsabilidade do cargo que
ocupa. Seguindo esse raciocínio, o governante é obrigado manter um diálogo com
a oposição, mesmo que isso o desagrade pessoalmente. Para ilustrar tal
raciocínio, relembraremos a disputa eleitoral pela presidência dos EUA em 1984.
Após perder a eleição para Ronald Reagan, Walter Mondale declarou que o novo
presidente dos EUA era também o seu presidente. Uma atitude que separa, apesar
de não ser da mesma forma em que estamos colocando, o estilo de um estadista,
ou seja, o de separar o fenômeno da disputa eleitoral, ditada por convicções
parciais da realidade, do fenômeno da eleição de um presidente, que deve ser
pautada pela ética da responsabilidade, e vista, dessa forma, pelo derrotado
naquela eleição.
Na ética da responsabilidade,
o governante tem que se ater às finalidades administrativas do seu cargo. Não
de suas finalidades pessoais estrito senso. É esse um dos principais problemas
de nossos governantes. Não há discernimento, em alguns casos... de forma
conveniente, entre as tarefas do cargo que ocupa e as suas posições pessoais.
De roldão, toda uma região, seja Cidade, Estado, ou Nação é levada pela
inconsistência do governante. Numa palavra, o governante deve entender que,
antes de tudo, é ele que tem de adequar à administração e não o contrário, ou
seja, a administração não pode ser adequada à idiossincrasia do governante, de
plantão, por puro capricho. É claro que o toque pessoal do governante deve ser
sempre bem vindo. De outra forma, não haveria renovação administrativa.
Contudo, isto deve-se dar dentro dos limites da ética da responsabilidade.
Há, contudo, casos em que
acontece uma coincidência entre a visão de mundo do governante e a exigência
das tarefas administrativas que o cerca. Em consequência, as suas atitudes,
mesmo de forma não voluntária, vão se dar dentro da ética da responsabilidade.
Mas isto é exceção, e não a regra.
Luiz Fernando da Silva