domingo, 28 de julho de 2013

A ÉTICA DA CONVICÇÃO E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE



A ÉTICA DA CONVICÇÃO E A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE

                            A dificuldade em separar o “joio do trigo” sempre foi uma característica do ser humano. Esse fator se dá porque o “arco” de possibilidades a que estamos submetidos é por muito complexo. Somando-se a isso, há outro fator, muito importante, advindo da Revolução Industrial, onde foi dado ênfase na especialização do homem em uma determinada atividade. Portanto, em consequência desse fato, as pessoas começaram a separar as especialidades laborais do todo e, por conseguinte, a misturarem  as demais atividades do seu cotidiano “num saco só.

                            Para complicar o raciocínio, algumas visões de mundo do marxismo, apesar da ferrenha crítica à “divisão social do trabalho”, colaboraram, em muito, para a reprodução de uma verdadeira confusão em relação aos aspectos cotidianos do ser humano. Dessa forma, qualquer ato cotidiano estaria inserido na visão global das relações humanas. Em outras palavras, sentar-se a uma mesinha de bar para tomar uma prosaica cervejinha era, e ainda é entendido como relacionado à alienação política engendrada pelo capitalismo. Numa palavra, haveria a necessidade de uma revolução socialista para estancar tal alienação. O neomarxista Erik Olin Wright coloca que a patrulha ideológica é muita mais severa ao sujeito que se declara de esquerda. Seguindo esse raciocínio, ainda que o sujeito siga quase toda a cartilha socialista, um simples ato “contrário”, como descrito acima, o desqualifica enquanto realmente de esquerda. Um maniqueísmo descabido.

                            Mas... afinal, é possível separar as facetas que compõem o mosaico de uma dada realidade em relação a um dado sujeito? Na verdade, a separação das facetas de uma dada realidade exige do indivíduo uma grande dose de discernimento da zona limítrofe entre elas. Contudo, a zona do limite é uma das coisas mais difíceis de ser concebida pelo ser humano, dada a sua complexidade. Numa palavra, a zona do limite, compreendida como o final de uma faceta da realidade e o início de outra, é exatamente onde “mora o capeta”. A propósito, há um provérbio que coloca que o “capeta” mora exatamente nos detalhes de uma dada realidade. No caso da zona do limite, o provérbio cai como uma luva.

                            Bem, há sempre o chamado senso comum supondo que tudo é a mesma coisa. Isso, de fato, é necessário em certa medida, ou seja, não podemos ficar constantemente raciocinando sobre os fatos que nos cercam. Assim, para facilitar a nossa vida e, para de quebra, economizar cérebro, ligamos o “piloto automático” e levamos a vida na melhor forma possível concebida dentro dos nossos limites de raciocínio. Contudo, essa miscelânea com que trabalhamos aspectos importantes de nossa vida acaba por colocar tudo numa vasilha. Assim, o sujeito acaba por tomar atitudes de forma equivocadas relativas à sua própria vida.

                            Em relação aos aspectos ligados às administrações públicas, a coisa se reproduz de forma ampliada e, em consequência, muito pior. Trocando em miúdo, se o sujeito representa os anseios de uma camada da população, se as suas atitudes mistura os aspectos do cotidiano, logo o prejudicado não será somente o sujeito, mas toda uma população que não tem como se safar das vicissitudes idiossincrásicas do governante.

                            A ética da convicção, nos termos weberiano, é exatamente isso. O indivíduo toma as suas atitudes baseadas na sua visão de mundo. Ora, se o indivíduo não é governante, o prejuízo, para a sociedade, é menor, o que já é um grande problema. Entretanto, é um problema de cunho pessoal, ainda que, se reproduzido na sociedade toda, acaba, também, por ser um problema social. Mas... esse indivíduo, pelo menos, não ousou tentar ser o porta-voz de seus pares.

Quando atentamos para a ética da responsabilidade, também nos termos weberianos, a realidade é, necessariamente, outra. Ora, o indivíduo, agora, é governante. Suas atitudes não podem ser baseadas somente em suas convicções pessoais. O indivíduo há que se ater, sob pena de inviabilizar a sua carreira política e, o pior, da sociedade como um todo, à separação do que é a sua convicção puramente pessoal do que é responsabilidade enquanto governante.

Primeiramente, o governante, quanto eleito, apesar de em muitos casos somente uma parte da sociedade ter votado nele, é responsável por toda a sociedade. Nesse sentido, o mesmo deve ter claro em mente o limite de suas convicções em relação à responsabilidade do cargo que ocupa. Seguindo esse raciocínio, o governante é obrigado manter um diálogo com a oposição, mesmo que isso o desagrade pessoalmente. Para ilustrar tal raciocínio, relembraremos a disputa eleitoral pela presidência dos EUA em 1984. Após perder a eleição para Ronald Reagan, Walter Mondale declarou que o novo presidente dos EUA era também o seu presidente. Uma atitude que separa, apesar de não ser da mesma forma em que estamos colocando, o estilo de um estadista, ou seja, o de separar o fenômeno da disputa eleitoral, ditada por convicções parciais da realidade, do fenômeno da eleição de um presidente, que deve ser pautada pela ética da responsabilidade, e vista, dessa forma, pelo derrotado naquela eleição.

Na ética da responsabilidade, o governante tem que se ater às finalidades administrativas do seu cargo. Não de suas finalidades pessoais estrito senso. É esse um dos principais problemas de nossos governantes. Não há discernimento, em alguns casos... de forma conveniente, entre as tarefas do cargo que ocupa e as suas posições pessoais. De roldão, toda uma região, seja Cidade, Estado, ou Nação é levada pela inconsistência do governante. Numa palavra, o governante deve entender que, antes de tudo, é ele que tem de adequar à administração e não o contrário, ou seja, a administração não pode ser adequada à idiossincrasia do governante, de plantão, por puro capricho. É claro que o toque pessoal do governante deve ser sempre bem vindo. De outra forma, não haveria renovação administrativa. Contudo, isto deve-se dar dentro dos limites da ética da responsabilidade.

Há, contudo, casos em que acontece uma coincidência entre a visão de mundo do governante e a exigência das tarefas administrativas que o cerca. Em consequência, as suas atitudes, mesmo de forma não voluntária, vão se dar dentro da ética da responsabilidade. Mas isto é exceção, e não a regra.



Luiz Fernando da Silva


sábado, 27 de julho de 2013

DIREITA E ESQUERDA NO BRASIL

Este artigo foi publicado no Jornal Vale da Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí/MG em 2006, mas o tema ainda é atual.



DIREITA E ESQUERDA NO BRASIL


Parece “démodé”, mas não é. Em artigo recente, num jornal paulista (Folha de S. Paulo de 13/08/2006), foi ressuscitado o tema esquerda/direita. E foi para minha surpresa, já que estava me preparando para fazer um artigo sobre o avanço do pensamento social democrata e da esquerda no Brasil. Na pesquisa feita com a população brasileira foi demonstrado que 47% da população brasileira optam pela direita e apenas 30% pela esquerda.
                            A meu ver, esse fator em certo aspecto é paradoxal. Se não, vejamos: nos últimos vinte e poucos anos, a partir da redemocratização, somente um presidente, declaradamente de direita e com apelo populista, se elegeu presidente. Isso demonstra que o pensamento político de direita, pelo menos no Brasil, perdeu a capacidade de arregimentar forças. Do ponto de vista geral, o referido artigo coloca que até é pouco essa percentagem, uma vez que a mesma é bem maior no quesito contra o aborto, a favor da pena de morte, contra a liberalização da maconha...
Do ponto de vista político, a realidade é outra: qual seria a chance de um candidato do PFL, PPB, PRONA... de se eleger presidente hoje no Brasil? Nenhuma. Somando-se a isso, muitos políticos declaradamente da chamada direita se apressaram em mudar para um partido que tivesse conotação social democrata ou até mesmo da chamada esquerda para manter as suas chances eleitorais. Assim, se analisarmos sob essa faceta da realidade, as análises feitas pelo jornal paulista ficam bastante capengas.
                            No entanto, a bem da verdade, há muito tempo a classificação esquerda/direita deixou de corresponder à realidade, num sentido estrito. Há até pessoas que associam o caráter esquerdista a quem esteja na oposição, dada à ambigüidade que o termo encerra. Entretanto, como o jornal fez a pesquisa e chegou a tal constatação, achei interessante analisar o tema do ponto de vista sociológico.
                            Há que ressaltar que em pesquisa realizada no estilo “survey”, deve se ter os parâmetros de montagem do questionário para se ter uma análise mais acurada. O que dá para depreender da referida pesquisa é que o cidadão, no sentido amplo do termo, faz uma “geléia geral” na relação aspectos da realidade no sentido amplo e opção político-partidária. Apóia majoritariamente candidato com histórico de esquerda, mas é de direita no sentido geral.
                            Para o filósofo italiano Antônio Gramsci, esse retrato da realidade evidencia o caráter ideológico de direita arraigado, do ponto de vista social, em contraponto à incipiente tentativa de hegemonia do pensamento político-partidário social democrata e de esquerda.
Em outras palavras, isso demonstra que captar o ideário de uma dada população, de forma bastante próxima da realidade, não é algo fácil.

Luiz Fernando da Silva
Sociólogo
Setembro/2006
Santa Rita do Sapucaí/MG