terça-feira, 1 de outubro de 2013

A MÍDIA NINJA ENTRE DEUS E O CAPETA



No recente Movimento de Manifestação das Ruas no Brasil, houve, entre outras coisas, uma novidade em interatividade coordenada de comunicação: tratava-se das NARRATIVAS INDEPENDENTES, JORNALISMO E AÇÃO – NINJA ou MÍDIA NINJA.
Quando me deparei pela primeira vez com o termo NINJA no Movimento das Ruas, lembrei-me dos agentes secretos do feudalismo japonês. E o pitoresco da situação é que o referido termo, utilizado pelos ativistas, veio mesmo a calhar como agente de comunicação num universo cheio de adversidade à iniciativa independente de informação.
A grande imprensa tentou desqualificar os militantes do NINJA por todos os meios. Afinal, ela estava quase banida, pelos manifestantes, da cobertura do Movimento das Ruas.
Mas como um grupo de jovens ousou enfrentar a polícia para fazer a cobertura jornalística das Manifestações em tempo real? A tamanha audácia foi a própria falta de informação sobre o Movimento que passou a existir após o repúdio aos jornalistas da grande imprensa. Havia um vácuo de informação no calor das Manifestações. Havia também necessidade de apoio da sociedade aos Manifestantes. Como na grande imprensa há toda uma filtragem da informação antes de chegar ao público, ela foi repudiada. Outro fator de desgaste dela foi o histórico de comprometimento com quem está no poder político e também com as grandes empresas privadas. Numa palavra, com os agentes financiadores da própria imprensa.
Diante da descrença dos manifestantes de Rua ante a grande imprensa, a Mídia NINJA foi a grande novidade. O famoso teórico canadense em comunicação, Herbert Marshall Mcluhan, cunhou o termo: “o meio é a mensagem”. Para ele, o veículo de informação é tão importante quanto a própria mensagem. Nesse sentido, o “meio”, a grande imprensa, é um canal contaminado por interesses escusos às Manifestações das Ruas.
Para efeito de ilustração, os adeptos do atual governo central chamam a grande imprensa brasileira de Partido da Imprensa Golpista – PIG. A meu ver, esse raciocínio é próprio de que tem visão canhestra de mundo. Noutras palavras, a grande imprensa sempre é mais a favor do que contra o governo de plantão. Alguém tem dúvidas quanto ao rumo das milionárias campanhas de publicidades dos governos? Estendendo mais o assunto, o Partido dos Trabalhadores só cresceu porque a grande imprensa lhe deu destaque. Ou os militantes que chamam a grande imprensa de PIG acham que foi obra do divino Espírito Santo a universalização da campanha do PT rumo ao poder? Para os militantes adeptos do governo central, tudo que é noticiado contra esse governo é golpe; já o que vem a favor, é capitalizado nas redes sociais como testemunho de competência. Um estranho mundo de dois pesos e duas medidas. Há outra forma também muito utilizada por esses militantes: todos que são contra a grande imprensa golpista, são automaticamente aliados. Para eles, o inimigo do inimigo é, por consequência, amigo. 
O avanço da Mídia NINJA, então, como canal de comunicação, praticamente oficial, das Manifestações das Ruas, foi um “meio” que transformou a mensagem que chegava aos lares brasileiros. Não havia ilha de edição para a cosmética da informação, como acontece na grande imprensa. Não havia necessidade disso. A informação era bruta. Era mediada apenas pelos equipamentos eletrônicos que, comparados aos da grande imprensa, eram rudimentares. Dessa maneira, o que se perdia em qualidade da informação pela precariedade dos equipamentos, ganhava-se pela rapidez e fidedignidade aos fatos ocorridos. Era uma linha direta entre o fato e a informação. Esse barulho todo deixou aturdida a grande imprensa. Afinal, tudo que era informado e maquiado por ela tinha sabor de “requentando”. Havia uma novidade no ar: destemidas pessoas se propunham a uma nova forma de trabalhar a informação. Lá pelas tantas, até a poderosa Rede Globo rendeu-se a pujança informativa da Mídia NINJA, noticiando a prisão de um rapaz pela polícia carioca tal qual filmado pelos ativistas.
A bem da verdade, a Mídia NINJA já existia desde 2011. Mas como canal de informação de um grande movimento, como o deste ano, ela estava praticamente no debute.
Para alguns analistas de comunicação, a Mídia NINJA pode ser algo que venha arejar a combalida e tendenciosa grande imprensa. Um jornalismo ativista que não encontra paralelo. Para outros, ela pode ser um “fogo de palha”. Como não tem estrutura econômica que a sustente, poderá ser engolida pela grande imprensa. Para um dos criadores dela, Bruno Torturra, a Mídia NINJA já está trabalhando uma forma de arrecadar fundos para se sustentar enquanto alternativa de imprensa. Ora, esses fundos não podem vir das empresas e nem dos governos, senão o destino dela será o mesmo da grande imprensa.
Herbert Mcluhan foi genial ao captar, ainda nos anos 60, aspectos da aldeia global em comunicação que se tornariam rotinas 50 anos depois: “Nessa aldeia a fronteira é eletrônica, o que está distante dessa conexão fica à margem do “subúrbio global”. Mcluhan defende a ideia que a imprensa retirou o ser humano do sentimento de tribo, o colocando numa leitura individual e distante dos fatos; por outro lado, a mídia eletrônica “retribalizou” o ser humano, colocando-o como receptor instantâneo de fatos recém-ocorridos”.
Com a Mídia NINJA, a população ganhou com a informação instantânea dos fatos. Contudo, esses ativistas terão agora que descobrirem formas de sobreviverem como polo alternativo de informação social. Para o bem ou para o mal, essa novidade informativa colocou em cheque a empoeirada grande imprensa nacional.
LUIZ FERNANDO DA SILVA

7 comentários:

  1. Bem, a Mídia Ninja surgiu com os colaboradores do coletivo Casa Fora do Eixo. A Pós Tv já fazia esse trabalho, mas só ganhou visibilidade com as grandes manifestações de junho. Eu mesma, fui tomar conhecimento dos Ninjas, de fato, na primeira ocupação da Câmara de BH. Os Ninjas da Fde ficaram lá fazendo transmissões 24h, com revesamentos de pessoas. Além de emprestarem materiais da casa, para a ocupação, ajudavam também com mão de obra em design, áudio, projeção.. Os Ninjas, utilizam de um método, até aquele momento, pouco conhecido. Aqui, em BH, houve várias reuniões onde a Mídia Ninja ensinava a quem quisesse e tivesse um celular compatível, como 'Ninjar'. Logo após a explosão dessa nova mídia e com mais gente disposta a fazer esse trabalho, qualquer um pode ser Ninja. Os Ninjas chegarem, principalmente no Rio de Janeiro, ao ponto de serem perseguidos pela polícia, que via seus abusos serem transmitidos online e em tempo real. Uma forma também, de dispersar manifestantes, que iam para a delegacia na tentativa de forçar a liberação dos Ninjas detidos. No Rio, houve um dia que 3 Ninjas foram detidos na mesma noite! Três! Hoje, qualquer um pode ser um Ninja. E isso é muito importante em atos, reuniões, assembleias, ocupações para ser ter registros, provas de abusos e pessoas em casa podendo participar e ver o que realmente acontece nas ruas.
    A Mídia Ninja foi de grande importância para manter as pessoas de casa, que não podiam participar dos atos nas ruas, informada e para abrir seus olhos, desde que a mídia tradicional/convencional manipula e distorce os fatos. Acredito que a Mídia Ninja da Fde, com sua tentativa de se sustentar, se separe dos 'Ninjas não oficiais' e que não se trata de um 'fogo de palha'. O que ocorreu, foi o surgimento de uma nova tecnologia a favor dos manifestantes e que, não se preocupa tanto com o número do publico, mas se preocupa com a transmissão para quem quiser acompanhar e ter um material gravado. As transmissões depois de feitas, já são salvas automaticamente e se perdem na internet, não acontecendo 'sumiço de material'.

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  2. Bela colocação Nanda! Quando disse "fogo de palha", foi uma sugestão de algo que pode vir a acontecer. Não é um julgamento de valor de fato, mas apenas uma conjectura. Tanto é que coloco também que ela poder ser algo perene e a favor de uma democratização da sociedade de forma sólida.

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  3. Estimado amigo Luiz Fernando, li teu texto e achei-o muito interessante. Se me permite, quero dizer-lhe que, dentre os textos de tua autoria, este, para mim, é um dos mais polêmicos e controversos. Na minha singela visão, de acordo com o que você frisou, a mídia ninja é o Eldorado da comunicação. Nela não há contaminação, influência, dependência, disputa de poder, comprometimento com o Sistema (sabe Deus lá que diabo é isso!), edição, filtragem. Nada! Translucidez ontológica. Enfim, isenção, independência, neutralidade e pureza absoluta (fantástico!!!), por ausência de edição, na transmissão da realidade, são marcas dessa redentora e ilibada mídia ninja. Trata-se, evidentemente de um presente dos deuses. Louvores a eles por tal dádiva!!!
    Meu prezado interlocutor e distinto amigo, francamente, tal panegírico erigido em favor da mídia ninja é, no mínimo, questionável. Para sermos objetivos, do ponto de vista epistemológico, toda a afirmação acerca da realidade é feita a partir de um conjunto de valores pré-existentes. Não tem como! Quem em sã consciência negaria isso??? Todo o conhecimento, toda ação se dão a partir de idéias, pressupostos, valores, disposições afetivas e emocionais. Isso é verdadeiro tanto do ponto de vista filosófico quanto do da psicologia da percepção. A nossa percepção é pré-determinada pelo terreno social, político, cultural e linguístico no qual fomos engendrados e no qual estamos assentados.
    No caso da mídia ninja, num singelo exemplo, ao direcionar a câmera filmadora para um determinado lugar ou para uma determinada direção, o valente e redentor midiático NINJA está dando vazão a um desejo dele, a um objetivo que deseja alcançar. O enquadre de uma determinada cena ou de uma ocorrência durante as manifestações é sim ideológica, porque implica obviamente numa escolha e num preterimento. Se assim o faz, fá-lo a partir de um conjunto de pressupostos, de valores, enfim, de uma filosofia. Portanto, não é filosoficamente defensável a idéia de pureza de transmissão de notícias. Para que isso existisse, o ser que estivesse com o encargo de informar deveria ser absolutamente desprovido de valores, tendências, emoções. Um robô talvez fizesse isso...
    Outro ponto que me chamou muito a atenção em teu texto foi a denominada Grande Mídia. Quem é essa grande mídia? Onde ela está? Não estará havendo aqui uma generalização apressada? Talvez possamos afirmar que a Rede Globo é essa Grande Mídia. Pois bem. E qual é mesmo o problema com ela? Talvez todos os problemas de natureza ética, legal, fiscal e os cambal possam ser impingidos a ela. Tudo bem! No entanto, não se pode negar que o Brasil inteiro ficou sabendo das manifestações de junho também através das transmissões da Rede Globo ou da Grande Mídia. O papel delas na informação do que estava se passando foi exponencialmente maior do que o da mídia ninja. Tendenciosas, falaciosas, elitistas, ocultistas... Não sei... Mas, que mostraram ângulos diversos do que estava ocorrendo mostraram. Através da Grande Mídia, milhões de brasileiros ficaram sabendo que havia milhões de pessoas nas ruas, muitas vezes num caos neurótico típico de uma turba desenfreada. Reivindicações diversas. Grupos variados: pacifistas, depredadores tarados e imbecis, pessoas esclarecidas e ignorantes. Enfim, tudo isso foi mostrado na Grande Mídia.
    O que eu quero mesmo frisar aqui não é que este ou aquele grupo midiático seja bonzinho ou malzinho. Isso é balela. Quero apontar para o risco existente em certas leituras maniqueístas do mundo. O bem e o mal estão no cerne do homem e de tudo o que ele faz. Isso é uma constatação feita pelas melhores mentes da história da Civilização Ocidental, passando pelo Cristianismo até as Filosofias hodiernas.

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  5. Para encerrar, como certamente é de vosso conhecimento, caro amigo, tem aparecido, na Grande Mídia (claro que não é uma leitura tão pura e cristalina da realidade como a feita pela mídia ninja), reportagens sobre os bastidores da Mídia NINJA. Está na internet: Época, Veja etc. Nessas veiculações, são apontados os desmandos, falcatruas, autoritarismos e sectarismos dos dirigentes da famigerada libertadora/redentora dos meios de comunicação nacional e internacional. Inclusive o nome do Torturra está bem concorde com o que é denunciado como bastidores dos precários meios de captação isenta e pura da realidade: tortura. Onde está a isenção? Existe isenção? O que é isenção? Oxalá esteja na terra, consubstanciada na Mídia Ninja.
    Meu querido amigo, divergências à parte, parabenizo-o fervorosamente pelo teu excelente texto. Embora, sem modéstia alguma, minha visão é de pequena importância, ele me fez pensar muito. Para mim, um texto é bom quando faz pensar. É o caso do teu instigante texto que ora eu comento.

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  6. Prezado amigo e interlocutor João Paulo, fiquei impressionado com sua veemência ao abordar o meu artigo. Coisa própria, mesmo, de sua pujança e inquietude intelectual. Alguns escritores e cronistas sempre falam que o leitor é pródigo em recuperar algo que eles, em princípio, não queriam ou não quiseram dizer. A meu ver, isso se dá pelas visões de mundo próprias de cada um e que o articulista jamais açambarcará. Esse aspecto deixa o articulista de plantão bastante motivado para continuar na labuta de expor o que pensa sobre a realidade em que se vive.
    Confesso que li e reli o artigo, procurando onde eu deifiquei a Mídia Ninja e não encontrei nada. O que propus foi um contraponto à Grande Imprensa, entendida aqui como os grandes veículos de comunicações que tem poderes enormes de retratar o fato, bem como moldá-lo, também, aos seus bel-prazeres.
    Quando falo que a Mídia Ninja tornou-se um elo entre o fato e o espectador sem intermediário, quero dizer apenas isto. Não há julgamento de valor da informação. Se é boa, pura, isenta... É uma forma que os ativistas têm de mostrar um lado, e claro, de forma eletiva e eivada da visão de mundo deles. Esse aspecto deixou aturdida a Grande Imprensa pela forma crua da informação. Para usar termos de Alberto Dines, “notícia em estado bruto sem passar pela cosmética da edição” http://www.observatoriodaimprensa.com.br/videos/view/um_olhar_sobre_a_midia_ninja
    Nesse sentido, não quis transmitir que a Mídia Ninja é uma achado da comunicação, mas aludir que o aspecto da interatividade em tempo real, ainda que de forma bastante precária, tirava o monopólio da informação dada pela Grande Imprensa.
    Em certo momento, apesar da força da Grande Imprensa, ela sei utilizou do material bruto da Mídia Ninja para retratar situações de violência por parte da polícia.
    Ainda ontem, fiquei sabendo que a Rede Globo utilizou-se da mesma forma de abordagem da Mídia Ninja para fazer a cobertura da Manifestação no Rio de Janeiro no dia 09/10/13.
    Só por esse aspecto, já valeu a intervenção da Mídia Ninja no horizonte da informação.
    Sobre os problemas internos de violência, sectarismo, desmando, tortura do Fora do Eixo e da Mídia Ninja, são aspectos que sempre afligem as organizações societárias. Ainda mais, quando se propõem a afrontar os fortes meios de comunicações existentes. Com isso, não quero dizer que estão certos ou errados, que concordo com essa forma de gerir as organizações.
    Seu comentário foi tão denso e bacana que cheguei a pensar que ficaria até melhor num artigo específico como contraponto ao que escrevi. Embora, como comentário, venha a enriquecer com bastante propriedade o prosaico Blog.
    Como você mesmo disse: se faz pensar, já fez a sua função. Agradeço sobremaneira a sua sempre instigante participação no Blog. Como já comentamos mais de uma vez, há muita dificuldade em encontrar interlocutores com uma “prosopopeia” qualificada para debater de forma sóbria assuntos que nos rodeiam.

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    1. Caro amigo Luiz Fernando, alguns psicanalistas afirmam que o outro sabe mais a nosso respeito que nós mesmos. Acho essa ideia interessante. Talvez você não tenha se encontrado nos comentários que eu fiz sobre teu texto e também não me encontro em alguns pontos da tua redarguição. Mas, creio eu, essa dinâmica constituiu a própria essência do diálogo. Acho que é o que está se dando por aqui. Para mim, essa questão de pureza, não-edição, despojamento de valores é horripilantemente insustentável. Bom, mas como diria o grande Drumond, a verdade é o resultado da somatória de pontos de vistas. Nesse sentido, ninguém é capaz de detê-la em sua integralidade. Partilho dessa ideia e é por isso que me disponho a dialogar contigo, o que, diga-se de passagem, é sempre construtivo e produtivo para mim, mesmo quando os ânimos ficam mais acirrados.
      Eu tenho acompanhado algumas discussões sobre política, ética, cultura, mídia etc no Brasil e tenho ficado estarrecido com um certo predomínio, nos debates públicos, com as consequências práticas que isso tem, de visões de mundo marcadas por um idealismo romantizado e débil mental e um esquerdismo tacanho e avesso a contraditórios. Visões de mundo pueris assolam até mesmo intelectuais e jornalistas renomados. Nesse contexto, circulam por aí conceitos como Brasil profundo, rede, sistema, eixo e mais um monte de bobagem que ninguém, a um simples escrutínio, consegue apresentar uma definição que não insulte a nossa inteligência. O problema, a meu ver, é que tais modos de ver o mundo são insidiosos e passam a determinar o que deve ou não ser legitimado como válido para ocupar o cenário da troca de ideias. Está em curso mesmo uma hegemonia de um certo pensamento, de um certo modo de ver o mundo que não dá espaço para contestações e que determinam, inclusive, os rumos de muitas políticas públicas no nosso país. Exemplo mais cabal disso é essa coisa ridícula e ditatorial do politicamente correto. Bom, mas isso é assunto para debates futuros. O que eu quero frisar e parabenizar é tua coragem e abertura para o debate, sempre edificante, de ideias. Um abraço, meu caro, até a próxima.

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