O que tento demonstrar, nessas citações
de Wanderley e de Michels, é que o discurso arraigado e generalizado de que a
representação político- partidária formal tem que ser valorizada ou
reestruturada, para que a democracia se solidifique em nosso país, tenta fazer
o demos se ajustar a polis. Apesar do discurso a favor do fortalecimento do
sistema representativo político-partidário formal ser generalizado, pelo menos
teoricamente, sabe-se que a maioria dos partidos políticos toma suas decisões
através do neocorporativismo entre as suas cúpulas. O discurso corrente é que a
democracia é incipiente ou fraca porque não existe partidos políticos fortes.
Por outro lado, como dito acima, não há interesse em fortalecer o sistema
político-partidário formal. Essa situação leva a população a não acreditar no
sistema representativo político. É comum ouvirmos que o eleitor vota no
candidato e não no partido. O pior, para o próprio povo, é que apesar de o
eleitor pensar assim, ao votar, ele está votando no partido primeiramente, já
que o mecanismo proporcional de eleição conta os votos, antes, no partido e só
depois no candidato. Assim, há um paradoxo: os partidos políticos detém o
monopólio da representação e, ao mesmo tempo, são desacreditados como veículos
de representação. Esse fator levaria à exaustão o sistema representativo, caso
o voto não fosse obrigatório.
Qual a saída para esse impasse? Se há
apatia popular pelos partidos políticos formais, que funcionam, em sua maioria,
como legendas de aluguel, mas que detém o monopólio da representação, mas que
não representam efetivamente os anseios populares, o que fazer com a democracia
contemporânea que necessita dessas organizações? Se o Estado contemporâneo
possui uma infinidade de agências como comissões e conselhos que funcionam,
segundo Wanderley, como minilegislativos sem o controle popular através do voto e, se a
sociedade civil possui outras tantas agências como Organizações
Não-Governamentais ‘ONGs p. ex.’ que o sistema partidário formal nunca consegue
abarcar, não há motivos plausíveis para que o monopólio da representação
política formal continue sendo partidário. Caso houvesse a revogação de tal
monopólio, a democracia semidireta, como colocado por Maria Vitória
Benevides, seria ampliada. Isso levaria a uma maior competitividade entre as
representações e pelo viés dessa nova realidade, a meu ver, haveria o próprio
fortalecimento dos partidos políticos formais, que, nesse caso, não mais
estariam inseridos no oligopólio da representação formal de fato e não no
discurso como se tem apregoado.
Um interlocutor atento poderia objetar
que bastaria modificar o funcionamento dos partidos políticos formais, criando
mecanismos de fidelidade partidária, sistema de voto misto como distrital e
proporcional, abolição do voto obrigatório... que o sistema representativo
político formal adquiriria funcionalidade e não necessitaria da revogação do
monopólio partidário da representação formal. Wanderley responde essa questão
quando coloca que a polis não consegue acompanhar o desenvolvimento do demos.
Dessa maneira, essas mudanças atenuaria a crise da representação partidária,
mas não avançaria muito. Afinal, se a democracia tem um vínculo muito forte com
o liberalismo, segundo Bobbio, e se o liberalismo, pelo menos em tese,
pressupõe a competitividade, não há porquê o sistema representativo partidário
formal deter o monopólio da representação política.
Segundo pesquisa realizada pelo
Latinobarômetro, entre junho e julho de 1998, no Brasil há somente 50% da população que é
favorável à democracia como a melhor forma de governo. Ora, um dado dessa
natureza mostra de forma cabal a não ressonância do discurso democrático,como
referido por Weffort, em boa parte da população
Dessa maneira, embora o resultado
apresentado da pesquisa seja genérico, percebe-se que há algo errado com o
nosso sistema político.
Penso que, mesmo que as organizações
representativas não sofressem o fenômeno da oligarquização de suas tomadas de
decisão como colocado por Michels, há exemplos de distorções de nosso sistema
partidário como no caso da distribuição de cadeiras na Câmara dos deputados:
nos anos 90, o PFL (Partido da Frente Liberal) detinha 40 cadeiras de deputados
a mais que o PT (Partido dos Trabalhadores), mas em número absoluto de votos o
PFL havia obtido 12,9% contra 12,8% do PT. Em outras palavras, havia uma
super-representação política do Norte/Nordeste, já que o PFL era mais votado
nessa região, e uma subrepresentação do Centro/Sul.
Essa questão somada à outras tantas,
como tentei inferir, levam à apatia e à despolitização da sociedade. Se não são
enfrentada, é porque há um trânsito “conveniente” entre a pequena “mancha” de
poliarquia formal existente e a imensa massa inserida no “hobbesianismo
social”. Numa palavra, há uma “cultura da dissimulação” dos problemas
existentes em relação tanto à vida pessoal quanto das organizações
democráticas.
Analisando o fenômeno do poder do
oligopólio partidário na representação formal, no Brasil, sob a concepção de Burocracia em Max Weber, vê-se
que o referido fenômeno insere-se, entre outros tópicos que irei correlacionar,
na abordagem do “nivelamento das diferenças sociais”. Nesta parte de seu
trabalho, o autor coloca que a aproximação da democracia de massas com a
burocracia deve-se a gênese desta em relação à impessoalidade no tratamento das
funções administrativas, ou seja, “todos são iguais perante a lei”. Contudo, no
oligopólio existente na representação formal exercido pelos partidos políticos,
aqui entendidos como burocracias, não há, necessariamente, uma democracia, ou
seja, como coloca Weber: “a própria demos, no sentido de uma
massa inarticulada jamais governa as associações maiores; ao invés disso é
governada, e sua existência apenas modifica a forma pela qual os líderes
executivos são selecionados...” Nessa questão, Robert Michels é mais incisivo
do que Weber quando coloca que apesar de a democratização caminhar junto com a
burocracia no início de seu desenvolvimento, ela torna-se um fim em si mesma e
de forma irreversível.
Se, para Weber, o Estado moderno tem no
seu tamanho ou desenvolvimento uma relação proporcional à base burocrática e se
os partidos políticos autênticos estão inseridos em semelhante relação, então a
oligopolização existente em relação ao sistema partidário de representação
formal no Brasil, embora burocratizada, carece de autenticidade e modernidade,
uma vez que não tem conseguido a legitimação, por parte dos eleitores, no
processo representativo.
O autor coloca que a democracia é
conflituosa com a burocracia, apesar de ter sido,e por isso mesmo, consequência
“não-intencional” dela. Nesse sentido, o autor vai denominar de “democratização
passiva” a referida consequência “não-intencional”. Seguindo este raciocínio, a
radicalização por parte de outros setores da sociedade que, segundo Weffort,
estão fora dos mecanismos de participação efetiva, através da exigência do
tratamento em que “todos são iguais perante a lei”, pode contribuir para uma
maior democratização da sociedade. De outra forma, a exigência da diminuição de
poder das organizações burocráticas feita pela opinião pública, lideranças
econômicas, sociais e políticas pode constituir-se num entrave ao referido
poder burocrático e, por conseguinte, contribuir para o ajustamento do demos em
relação a polis. Numa palavra, apesar do poder, que em condições “normais” a
burocracia possui, dos aparatos burocráticos, é possível trabalhar no sentido
de evidenciar as incongruências no sistema burocrático-oligopolizado da
representação formal, de nosso país, frente as demandas de seus clientes, ou
seja a população.
Se há apatia da população em relação à
participação nas organizações democráticas, ou seja, à própria democracia num
sentido lato, conforme tenta demonstrar o sociólogo Francisco Weffort, bem como
a pesquisa do Latinobarômetro; se a polis não consegue acompanhar o
desenvolvimento do demos e há a “lei de ferro das oligarquias políticas”, onde
as organizações se burocratizam e tornam-se um fim em si mesmas, segundo
Wanderley Guilherme e Robert Michels; se no estudo de Max Weber, sobre a
burocracia, há a colocação de que as massas inarticuladas não tem poder sobre
as organizações ou que a democracia é conflituosa com a burocracia, apesar de
ter sido consequência do desenvolvimento burocrático; então, há a necessidade
de uma revisão bibliográfica acerca do tema: o monopólio da representação
partidária formal no Brasil e sua legitimação frente as demandas sociais.
Apatia política, partidos e burocracia insere-se, assim, na
preocupação e atualidade que esses temas têm requerido dentro do contexto
sócio-político brasileiro.
Luiz Fernando da Silva
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