domingo, 19 de fevereiro de 2017

DIREITOS HUMANOS, BANDIDOS E ANALISTAS


Há cerca de quatro mil anos, o homem despertou-se para algo tão prosaico, útil e fundamental para existência humana: o direito, ainda que rudimentar, sobre o seu próprio destino! Hoje, isso transparece algo até corriqueiro. Contudo, naquele momento histórico, a liberdade, a propriedade, o direito de falar e ser ouvido... eram coisas totalmente distantes do homem comum.
O código de Hamurabi aparecia lá na antiga Babilônia para dar os primeiros passos na difícil missão de respeito mútuo entre os seres humanos. Mil e quinhentos depois, outro documento importante sobre os direitos dos homens seria o Cilindro de Ciro, elaborado pelo Rei Ciro II da Pérsia, ironicamente feito por ocasião da conquista da Babilônia. Documento considerado o primeiro, propriamente dito, como precursor dos Direitos Humanos.
A partir de então, passando pela Carta Magna Inglesa do século XIII depois de Cristo até chegar à Idade Moderna, os direitos dos homens eram um assunto que inquietava os filósofos. Na verdade, era um assunto quase proibido. Afinal, a Idade das Trevas era algo aterrorizante para o homem comum. O direito existente naquele momento era aristocrático e real.
A Idade Moderna nascida dos escombros da Idade Média surge como algo que afrontaria os ideais até então vigentes. Era um vale-tudo. Para tanto, a emergência de uma nova classe social daria o verniz necessário para as novas ideias. A burguesia seria o suporte para tanto. Vários filósofos, entre eles Montesquieu, Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Diderot, John Locke, Morus... foram incansáveis lutadores para implantar uma nova hegemonia em que o homem seria o centro de tudo. O antropocentrismo ganhava corpo com os escritos filosóficos daqueles pensadores. Os mercadores, muitos deles oriundos de fora da aristocracia e realeza, passaram a ter poder e a lutar pelos direitos à iniciativa privada.
É interessante sempre frisar que essas lutas foram sangrentas. Não havia naquele tempo conquistas pelo diálogo, mas sim pelas armas e pela força.
Pouco a pouco, começaram a ser erigidas sociedades em que havia judiciário, legislativo e executivo. Isso não era só conquista burguesa, mas conquista universal.
O trajeto das conquistas sociais e, em particular, do homem na sociedade foi um grande calvário, principalmente para aqueles que não faziam parte da aristocracia, burguesia, clero e realeza.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no final do século XVIII foi o ponto culminante da Revolução Francesa! As pessoas da chamada ala política esquerdista consideravam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bradada iconicamente no Liberté, Egalité e Fraternité, como algo somente burguês. Contudo, no sentido menos petrificado do esquerdismo, tratava-se de uma grande conquista do povo francês e um passo magistral para a humanidade no sentido da conquista dos cidadãos franceses e do mundo no respeito pelos direitos individuais.
O século XIX viria aos trancos e barrancos trazer mais elementos para ir solidificando o conceito de Direitos Humanos. A Revolução Industrial era o momento de se travar uma luta cada vez intensa entre o viver no campo e nas incipientes cidades. Nessa luta, o ir e vir das pessoas ia se tornando um direito social. Não faltavam filósofos apregoando o direito natural do ser humano de se autodeterminar. As ideias de John Locke, Thomas Hobbes e Rousseau nos séculos XVII/XVIII sobre o direito natural do homem e do cidadão consubstanciavam-se no Contratualismo ou Contrato Social.
Com a ascensão de ideais socialistas no século XVIII e XIX, a ideia de Direitos Humanos passou a ser contestada como algo emanado da burguesia. O interesse da burguesia era derrotar o mundo fechado do moribundo Feudalismo e ao mesmo se fortalecer com farta mão-de-obra. Houve, então, acalorados debates sobre Direitos Humanos na sociedade de então. A incipiente democracia era vista como uma conquista burguesa e, portanto, contrária aos interesses socialistas.
A despeito dessa intensa luta, os Direitos Humanos foram sendo cada vez mais fortalecidos e “consensuado” pela sociedade. Com o avanço do capital e seu corolário institucional, o ideário dos Direitos Humanos passou a dar suporte à vida em sociedade. Escravizar, atacar, discriminar outro ser humano passou a ser algo anormal. O respeito aos empreendimentos do cidadão passou a ser um respeito à iniciativa privada. A lei, aprovada por assembleias eleitas, era o arcabouço fundamental da vida em sociedade primada pelo respeito aos Direitos Humanos.
Como nem tudo são flores, a vida complexa em sociedade, onde é baseada em leis, muitas delas ultrapassadas ou mal feitas, deixaram e deixam margens de manobras para os indivíduos que caminham pelos labirintos das brechas legais. Seja em virtude de uma sociedade desigual, seja por falta de caráter, seja por falta de educação... o certo é que existe uma casta de bandidos tirando proveitos das brechas na sociedade complexas.
Quando punidos, essa horda de bandidos vai sempre para presídios que são a cara da nossa sociedade: mal administrados, cheios, também, de brechas e, portanto, de corruptos. Assim, ao invés de se recuperarem para o retorno à vida em sociedade, eles se tornam ainda mais vorazes na bandidagem. Em muitos casos, devido à superlotação nos presídios e cadeias, alguns desses bandidos passam por situações subumanas, se é que se pode expressar assim!
Os órgãos de defesa dos Direitos Humanos entram em ação na defesa da dignidade humana e adentram  a esses depósitos de presos para cobrar mais respeito. Como esses criminosos são odiados pela sociedade, a transferência dessa forma de ver o mundo é automática para os órgãos de defesa dos Direitos Humanos.
Para um analista qualquer, é muito difícil contrapor a essa visão de mundo. Afinal, os Direitos Humanos são, agora, somente para os criminosos. O cidadão, num passe de mágica, como é normal no senso comum, esquece-se de que sua história, sua vida em sociedade, seu patrimônio... são estritamente produtos das conquistas dos Direitos Humanos.
A situação passou a ser tão dramática, que essa visão de mundo já extrapolou ao cidadão iletrado. Há muita gente que é formada nos bancos universitários e comunga de tal ideário. É algo estarrecedor! Mas, é produto da irracionalidade a que nos encontramos: numa palavra, o erro passa a ser virtude; o Rabo abana o cachorro! Vilipendiar os Direitos Humanos passou a ser algo bom. Já nem se trata mais da dicotomia direita/esquerda. Agora, os Direitos Humanos só existem para os criminosos.
Defender os Direitos Humanos passou a ser como estar defendendo a malandragem. Assim, vamos caminhando para uma involução. As entidades que defendem os Direitos Humanos deveriam ser mais didáticas em suas atuações. Contudo, não tem sido assim. Vejo componentes dessas entidades defendendo a luta contra as arbitrariedades nos presídios e cadeias, mas de forma unilateral. Passam a impressão de que só lutam pelos direitos dos presos e não pela sociedade como um todo.

Os Direitos Humanos são uma conquista de nossa sociedade. As pessoas tem o direito de se manifestarem contra eles. Contudo, sem os Direitos Humanos, haverá somente uma sociedade anômica, sem regras. Não haverá nada que medeie os conflitos entre as pessoas. Estaremos num mundo, parafraseando Hobbes, em que “o homem é o lobo do homem”!

Luiz Fernando

Nenhum comentário:

Postar um comentário