Há cerca de quatro mil anos, o
homem despertou-se para algo tão prosaico, útil e fundamental para existência
humana: o direito, ainda que rudimentar, sobre o seu próprio destino! Hoje,
isso transparece algo até corriqueiro. Contudo, naquele momento histórico, a
liberdade, a propriedade, o direito de falar e ser ouvido... eram coisas totalmente
distantes do homem comum.
O código de Hamurabi aparecia lá
na antiga Babilônia para dar os primeiros passos na difícil missão de respeito
mútuo entre os seres humanos. Mil e quinhentos depois, outro documento importante
sobre os direitos dos homens seria o Cilindro de Ciro, elaborado pelo Rei Ciro
II da Pérsia, ironicamente feito por ocasião da conquista da Babilônia. Documento
considerado o primeiro, propriamente dito, como precursor dos Direitos Humanos.
A partir de então, passando pela
Carta Magna Inglesa do século XIII depois de Cristo até chegar à Idade Moderna,
os direitos dos homens eram um assunto que inquietava os filósofos. Na verdade,
era um assunto quase proibido. Afinal, a Idade das Trevas era algo
aterrorizante para o homem comum. O direito existente naquele momento era
aristocrático e real.
A Idade Moderna nascida dos
escombros da Idade Média surge como algo que afrontaria os ideais até então
vigentes. Era um vale-tudo. Para tanto, a emergência de uma nova classe social daria
o verniz necessário para as novas ideias. A burguesia seria o suporte para tanto.
Vários filósofos, entre eles Montesquieu, Voltaire, Jean-Jacques Rousseau,
Diderot, John Locke, Morus... foram incansáveis lutadores para implantar uma
nova hegemonia em que o homem seria o centro de tudo. O antropocentrismo
ganhava corpo com os escritos filosóficos daqueles pensadores. Os mercadores,
muitos deles oriundos de fora da aristocracia e realeza, passaram a ter poder e
a lutar pelos direitos à iniciativa privada.
É interessante sempre frisar que
essas lutas foram sangrentas. Não havia naquele tempo conquistas pelo diálogo,
mas sim pelas armas e pela força.
Pouco a pouco, começaram a ser
erigidas sociedades em que havia judiciário, legislativo e executivo. Isso não
era só conquista burguesa, mas conquista universal.
O trajeto das conquistas sociais
e, em particular, do homem na sociedade foi um grande calvário, principalmente
para aqueles que não faziam parte da aristocracia, burguesia, clero e realeza.
A Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão no final do século XVIII foi o ponto culminante da Revolução
Francesa! As pessoas da chamada ala política esquerdista consideravam a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, bradada iconicamente no Liberté,
Egalité e Fraternité, como algo somente burguês. Contudo, no sentido menos
petrificado do esquerdismo, tratava-se de uma grande conquista do povo francês
e um passo magistral para a humanidade no sentido da conquista dos cidadãos
franceses e do mundo no respeito pelos direitos individuais.
O século XIX viria aos trancos e
barrancos trazer mais elementos para ir solidificando o conceito de Direitos Humanos.
A Revolução Industrial era o momento de se travar uma luta cada vez intensa
entre o viver no campo e nas incipientes cidades. Nessa luta, o ir e vir das
pessoas ia se tornando um direito social. Não faltavam filósofos apregoando o
direito natural do ser humano de se autodeterminar. As ideias de John Locke,
Thomas Hobbes e Rousseau nos séculos XVII/XVIII sobre o direito natural do
homem e do cidadão consubstanciavam-se no Contratualismo ou Contrato Social.
Com a ascensão de ideais
socialistas no século XVIII e XIX, a ideia de Direitos Humanos passou a ser
contestada como algo emanado da burguesia. O interesse da burguesia era
derrotar o mundo fechado do moribundo Feudalismo e ao mesmo se fortalecer com
farta mão-de-obra. Houve, então, acalorados debates sobre Direitos Humanos na
sociedade de então. A incipiente democracia era vista como uma conquista
burguesa e, portanto, contrária aos interesses socialistas.
A despeito dessa intensa luta, os
Direitos Humanos foram sendo cada vez mais fortalecidos e “consensuado” pela
sociedade. Com o avanço do capital e seu corolário institucional, o ideário dos
Direitos Humanos passou a dar suporte à vida em sociedade. Escravizar, atacar,
discriminar outro ser humano passou a ser algo anormal. O respeito aos
empreendimentos do cidadão passou a ser um respeito à iniciativa privada. A
lei, aprovada por assembleias eleitas, era o arcabouço fundamental da vida em
sociedade primada pelo respeito aos Direitos Humanos.
Como nem tudo são flores, a vida
complexa em sociedade, onde é baseada em leis, muitas delas ultrapassadas ou
mal feitas, deixaram e deixam margens de manobras para os indivíduos que caminham pelos
labirintos das brechas legais. Seja em virtude de uma sociedade desigual, seja
por falta de caráter, seja por falta de educação... o certo é que existe uma
casta de bandidos tirando proveitos das brechas na sociedade complexas.
Quando punidos, essa horda de
bandidos vai sempre para presídios que são a cara da nossa sociedade: mal
administrados, cheios, também, de brechas e, portanto, de corruptos. Assim, ao
invés de se recuperarem para o retorno à vida em sociedade, eles se tornam
ainda mais vorazes na bandidagem. Em muitos casos, devido à superlotação nos
presídios e cadeias, alguns desses bandidos passam por situações subumanas, se
é que se pode expressar assim!
Os órgãos de defesa dos Direitos
Humanos entram em ação na defesa da dignidade humana e adentram a esses depósitos
de presos para cobrar mais respeito. Como esses criminosos são odiados pela
sociedade, a transferência dessa forma de ver o mundo é automática para os
órgãos de defesa dos Direitos Humanos.
Para um analista qualquer, é
muito difícil contrapor a essa visão de mundo. Afinal, os Direitos Humanos são,
agora, somente para os criminosos. O cidadão, num passe de mágica, como é normal
no senso comum, esquece-se de que sua história, sua vida em sociedade, seu
patrimônio... são estritamente produtos das conquistas dos Direitos Humanos.
A situação passou a ser tão
dramática, que essa visão de mundo já extrapolou ao cidadão iletrado. Há muita
gente que é formada nos bancos universitários e comunga de tal ideário. É algo
estarrecedor! Mas, é produto da irracionalidade a que nos encontramos: numa
palavra, o erro passa a ser virtude; o Rabo abana o cachorro! Vilipendiar os
Direitos Humanos passou a ser algo bom. Já nem se trata mais da dicotomia
direita/esquerda. Agora, os Direitos Humanos só existem para os criminosos.
Defender os Direitos Humanos passou
a ser como estar defendendo a malandragem. Assim, vamos caminhando para uma
involução. As entidades que defendem os Direitos Humanos deveriam ser mais
didáticas em suas atuações. Contudo, não tem sido assim. Vejo componentes
dessas entidades defendendo a luta contra as arbitrariedades nos presídios e
cadeias, mas de forma unilateral. Passam a impressão de que só lutam pelos
direitos dos presos e não pela sociedade como um todo.
Os Direitos Humanos são uma
conquista de nossa sociedade. As pessoas tem o direito de se manifestarem
contra eles. Contudo, sem os Direitos Humanos, haverá somente uma sociedade anômica,
sem regras. Não haverá nada que medeie os conflitos entre as pessoas.
Estaremos num mundo, parafraseando Hobbes, em que “o homem é o lobo do homem”!
Luiz Fernando
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