sábado, 7 de setembro de 2013

A PAIXÃO AMOROSA

“Aquele que ama é um ser mais divino que o amado, pois está possuído por um deus. Concluo, portanto, que Eros é o mais antigo, o mais honorável e o mais capaz entre os deuses de propiciar a virtude e a felicidade dos homens, seja durante a vida, seja após a morte” (Platão, 2001, p.35).
Desde os tempos mais remotos, o amor, enquanto experiência inarredável da vida humana, configura-se como um tema de grande relevância para as reflexões teóricas e literárias. Dessa forma, o fragmento acima é demonstrativo da importância que grandes pensadores da nossa civilização deram a ele. Desde os gregos antigos até a modernidade, os homens buscam compreender esse tão intrigante fenômeno. Assim, por exemplo, diz Nietzsche: “a história do amor é o único e verdadeiro interesse comum a todos os círculos (...). Toda a produção de nossos poetas e pensadores, da maior à mais insignificante, é mais que caracterizada pela excessiva importância da história de amor que nela surge como história principal”. Dramaturgos e escritores também elaboraram tramas amorosas que se imortalizaram. Como ilustração, tomemos a Romeu e Julieta de Shaskespeare, e O Dom Casmurro de Machado de Assis. Ambas obras literárias, escritas em épocas diversas, mas que se notabilizaram pela maestria com a qual exploram os dramas que podem advir sobre uma relação amorosa.
Um dos aspectos que incidem na problemática do amor é de natureza terminológica. Comumente há o emparelhamento entre os conceitos amor e paixão. Ambos, no mais das vezes, são empregados como sinônimos. Todavia, essa equiparação pode não ser legítima sob alguns aspectos, principalmente em relação à prática, na forma como se dão as relações afetivas na vida cotidiana. Nesse sentido, é possível verificar, dentre outras possibilidades, duas configurações relacionais quando o que está em jogo é afeto e sexo. Dito de outra forma, quando a finalidade de uma relação entre duas pessoas é sexo mais afeto, é possível se distinguir dois tipos de ligação: paixão e amor. O primeiro é marcado por uma forte atração de um pelo outro. Há um desejo quase que irresistível de ficar ao lado da pessoa. Os pensamentos e lembranças envolvendo o outro são recorrentes, o tempo todo se pensa na outra pessoa. Essa situação chega a assumir caráter obsessivo. A vida muda complemente. É como se quase toda a energia do indivíduo fosse investida na pessoa amada. Quando há o encontro entre ambos, sensações intensas são experimentadas: o coração dispara, o estômago recebe uma lufada violenta e prazerosamente congelante, as pernas ficam bambas e os pensamentos viajam rapidamente. A atração física é intensa.
Mas o tempo passa... Com ele tendem a passar também esses arroubos emocionais.  Assim, um segundo tipo de ligação pode se instalar. Nele, o interesse sexual, antes tão arrebatador, tende a diminuir e a outra pessoa já não tem a mesma onipresença. No entanto, nessa fase, pode surgir uma relação de maior estabilidade, pautada por afinidades e expectativas mais realistas, diálogo e admiração mútua. Ao primeiro momento pode se dar o nome de PAIXÃO, ao segundo de AMOR.
Vale destacar que não é fácil encontrar por aí a segunda situação. O que ocorre com frequência é a separação ou distanciamento quando a paixão se acaba. Também é comum as pessoas relatarem insatisfação, pesar e amargura por conviverem com alguém pelo qual já não se sente apaixonado. Em alguns casos, isso pode se tornar um sofrimento excruciante. Em uma relação em que o desejo sexual e a troca de afetos positivos se extinguiram, a agressividade, a raiva, a intolerância e a mágoa podem facilmente tomar lugar e passar a serem os referencias das trocas entre o casal. Todavia, essa diferenciação entre o amor e a paixão não é consensual. Muitos não veem diferença entre eles, outros afirmam tratar-se de fenômenos bem distintos.
Controvérsias à parte, misturemos alhos com bugalhos e demos aqui o nome de paixão amorosa a este tão famigerado fenômeno. A paixão amorosa, como já foi apontado acima, é um dos estados mais intensos experimentados pelo ser humano. Devido à intensidade das emoções que a ela estão associadas, um indivíduo apaixonado pode ter sua vida modificada radicalmente. As relações sociais com amigos e familiares, o trabalho e outras atividades tidas antes como prazerosas pela pessoa, num estado de apaixonamento, podem perder muito de sua importância ou até mesmo, em casos mais drásticos, perder totalmente o significado. A pessoa amada passa a ser o centro do universo e tudo passa a girar em torno dela. Não há defeitos no objeto da paixão amorosa. Tudo é belo e maravilhoso. A paixão dá asas ao coração e aos pensamentos. A pessoa passa a viver como se, repentinamente, tivesse sido possuída por uma força incontrolável ou por um deus, nas palavras de Platão. A outra pessoa lhe dá segurança e sua presença é uma fonte de bem-estar. Por isso, o desejo de fusão com a pessoa amada é muito comum. Toda essa experiência é marcada por sensações de forte prazer. Mas, nem tudo são flores.
A paixão amorosa, quase que fatalmente, está relacionada a fortes sofrimentos e pode mesmo descambar patologias e tragédias. No próximo texto deste autor neste espaço, iremos tratar dos desdobramentos psicopatológicos da paixão amorosa.

João Paulo Braga Floriano

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