Desde os tempos mais remotos, o amor,
enquanto experiência inarredável da vida humana, configura-se como um tema de
grande relevância para as reflexões teóricas e literárias. Dessa forma, o
fragmento acima é demonstrativo da importância que grandes pensadores da nossa
civilização deram a ele. Desde os gregos antigos até a modernidade, os homens
buscam compreender esse tão intrigante fenômeno. Assim, por exemplo, diz
Nietzsche: “a história do amor é o único e verdadeiro interesse comum a todos
os círculos (...). Toda a produção de nossos poetas e pensadores, da maior à
mais insignificante, é mais que caracterizada pela excessiva importância da
história de amor que nela surge como história principal”. Dramaturgos e
escritores também elaboraram tramas amorosas que se imortalizaram. Como
ilustração, tomemos a Romeu e Julieta
de Shaskespeare, e O Dom Casmurro de
Machado de Assis. Ambas obras literárias, escritas em épocas diversas, mas que
se notabilizaram pela maestria com a qual exploram os dramas que podem advir
sobre uma relação amorosa.
Um dos aspectos que incidem na
problemática do amor é de natureza terminológica. Comumente há o emparelhamento
entre os conceitos amor e paixão. Ambos, no mais das vezes, são empregados como
sinônimos. Todavia, essa equiparação pode não ser legítima sob alguns aspectos,
principalmente em relação à prática, na forma como se dão as relações afetivas
na vida cotidiana. Nesse sentido, é possível verificar, dentre outras
possibilidades, duas configurações relacionais quando o que está em jogo é
afeto e sexo. Dito de outra forma, quando a finalidade de uma relação entre
duas pessoas é sexo mais afeto, é possível se distinguir dois tipos de ligação:
paixão e amor. O primeiro é marcado por uma forte atração de um pelo outro. Há
um desejo quase que irresistível de ficar ao lado da pessoa. Os pensamentos e
lembranças envolvendo o outro são recorrentes, o tempo todo se pensa na outra
pessoa. Essa situação chega a assumir caráter obsessivo. A vida muda
complemente. É como se quase toda a energia do indivíduo fosse investida na
pessoa amada. Quando há o encontro entre ambos, sensações intensas são
experimentadas: o coração dispara, o estômago recebe uma lufada violenta e
prazerosamente congelante, as pernas ficam bambas e os pensamentos viajam
rapidamente. A atração física é intensa.
Mas o tempo passa... Com ele tendem a
passar também esses arroubos emocionais.
Assim, um segundo tipo de ligação pode se instalar. Nele, o interesse
sexual, antes tão arrebatador, tende a diminuir e a outra pessoa já não tem a
mesma onipresença. No entanto, nessa fase, pode surgir uma relação de maior
estabilidade, pautada por afinidades e expectativas mais realistas, diálogo e
admiração mútua. Ao primeiro momento pode se dar o nome de PAIXÃO, ao segundo
de AMOR.
Vale destacar que não é fácil
encontrar por aí a segunda situação. O que ocorre com frequência é a separação
ou distanciamento quando a paixão se acaba. Também é comum as pessoas relatarem
insatisfação, pesar e amargura por conviverem com alguém pelo qual já não se
sente apaixonado. Em alguns casos, isso pode se tornar um sofrimento
excruciante. Em uma relação em que o desejo sexual e a troca de afetos
positivos se extinguiram, a agressividade, a raiva, a intolerância e a mágoa
podem facilmente tomar lugar e passar a serem os referencias das trocas entre o
casal. Todavia, essa diferenciação entre o amor e a paixão não é consensual.
Muitos não veem diferença entre eles, outros afirmam tratar-se de fenômenos bem
distintos.
Controvérsias à parte, misturemos
alhos com bugalhos e demos aqui o nome de paixão amorosa a este tão famigerado
fenômeno. A paixão amorosa, como já foi apontado acima, é um dos estados mais
intensos experimentados pelo ser humano. Devido à intensidade das emoções que a
ela estão associadas, um indivíduo apaixonado pode ter sua vida modificada
radicalmente. As relações sociais com amigos e familiares, o trabalho e outras
atividades tidas antes como prazerosas pela pessoa, num estado de apaixonamento,
podem perder muito de sua importância ou até mesmo, em casos mais drásticos,
perder totalmente o significado. A pessoa amada passa a ser o centro do
universo e tudo passa a girar em torno dela. Não há defeitos no objeto da
paixão amorosa. Tudo é belo e maravilhoso. A paixão dá asas ao coração e aos
pensamentos. A pessoa passa a viver como se, repentinamente, tivesse sido
possuída por uma força incontrolável ou por um deus, nas palavras de Platão. A
outra pessoa lhe dá segurança e sua presença é uma fonte de bem-estar. Por
isso, o desejo de fusão com a pessoa amada é muito comum. Toda essa experiência
é marcada por sensações de forte prazer. Mas, nem tudo são flores.
A paixão amorosa, quase que
fatalmente, está relacionada a fortes sofrimentos e pode mesmo descambar
patologias e tragédias. No próximo texto deste autor neste espaço, iremos
tratar dos desdobramentos psicopatológicos da paixão amorosa.
João Paulo Braga Floriano
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