sábado, 26 de julho de 2014

BREVE ANALOGIA DO ESTADO SOCIAL EM JOHN LOCKE E THOMAS HOBBES


A terminologia “Estado Social” tem, a meu ver, uma conotação bastante recente. A mesma refere-se, de forma preponderante, à “ ... estrutura de poder público nas sociedades capitalistas altamente industrializadas e de constituição democrática, como aquelas situadas em toda a Europa Ocidental, Escandinávia e América do Norte”.
“Depois da II Guerra Mundial, nas sociedades industriais ocidentais mais desenvolvidas, foi possível aperfeiçoar e unificar em parte os sistemas da seguridade e da parcial influência econômica por parte do Estado.” Dessa maneira, as políticas adotadas pelo Partido Trabalhista inglês entre 1945 e 1951, através do Plano BEVERIDGE; os resultados obtidos através da efêmera colaboração entre todos os partidos antinazistas na França; a política social continuada e generalizada a partir dos partidos trabalhistas reformistas desde 1932 na Suécia, foram exemplos de como o “Estado Social” passava a ter supremacia perante aos Estados com estruturas de poder público diferentes. Contudo, nos exemplos acima, os Estados continuaram dentro da ordem capitalista.

Se no sentido estrito, atualmente, entende-se o “Estado Social” a partir desta conotação; no sentido amplo, nada impede que o tomemos como sinônimo de “Controle Social”. É claro que devemos situar esta conotação a partir do sentido amplo.
Locke e Hobbes têm pressupostos iniciais bem como gerais comuns em relação ao desenvolvimento da sociedade. Tanto um como outro veem o contrato social (Estado Social) como um mecanismo importante para os indivíduos que vivem num estágio pré-político e pré-social.
Nos aspectos mais específicos da visão de mundo de ambos os filósofos é que se encontra, contudo, as diferenças.
Para Locke, no estado pré-social e pré-político havia harmonia e propriedade individual dada pela capacidade do trabalho, também, individual. Já para Hobbes, o que havia era uma luta de todos contra todos bem como a ausência de propriedade privada.
No que concerne ao fato de que no estado de natureza, segundo Locke, era Deus o proprietário de tudo e que o homem foi se apoderando das propriedades segundo a sua capacidade de trabalho; Hobbes coloca que, em relação a Deus, trata-se de uma questão de consciência ou de fé, mas o que vale mesmo no aspecto terreno são as leis positivas do Estado Social.
Se os indivíduos, segundo Locke, se unem voluntariamente através de um pacto de consentimento para criar leis que protejam as propriedades já existentes no plano individual no estágio pré-político; Hobbes coloca que a união dos indivíduos se dará a partir de um pacto de submissão para criar leis que possam assegurar a existência de propriedade privada, uma vez que a mesma inexistia no plano individual no estágio pré-político.
Para Locke, uma vez criado o pacto de consentimento, a forma de governo a ser implantado deveria partir do princípio da maioria respeitando os direitos da minoria. Portanto, a meu ver, o que se depreende da visão lockeana é que a criação do Estado Social seria uma espécie de “salto de qualidade”, ou seja, uma necessidade consentida apenas como um bem necessário. Já para Hobbes, uma vez criado o pacto de submissão, a forma de governo deveria ser a monarquia absoluta. O Estado Social seria decorrência da necessidade de um “árbitro” forte por parte dos indivíduos e, para ser forte, deveria ser absoluto (soberano). O que se depreende, a meu ver, das colocações hobbesiana é que o Estado Social seria uma necessidade imposta, um mal necessário, um monstro, ou seja, um Leviatã.
Se na concepção de Locke, não importa a forma do Estado, desde que seja respeitada a propriedade privada; Hobbes coloca que a forma do Estado importa sim, ou seja, deve ter um poder uno, desde que legitimado pelos súditos, para garantir a existência da propriedade privada, que não existia no estágio pré-político.
A propriedade privada deve ser respeitada, segundo Locke, pelo Estado Social, não importando se este Estado é dividido entre executivo e legislativo ou não. Quando isso não ocorre, o Estado Social perde o sentido de sua existência. Portanto, se existir uma guerra para restabelecer o direito de propriedade, a mesma é considerada justa. Para Hobbes, a existência ou não da propriedade privada é determinada pelo Estado Social, uma vez que foi somente a partir da existência dele que foi possível a interação entre os indivíduos de forma ordenada. Portanto, a existência ou não da propriedade privada é decorrência da vontade do soberano e não da existência em si do Estado Social. Outrossim, a legitimidade do soberano é dada pela sua força de permanecer no poder e não da garantia ou não da propriedade privada. Nesses termos, a guerra é justa não porque houve vitória bem como direito sobre os vencidos, mas sim porque há um pacto de submissão que obriga os vencidos a aceitar a autoridade do soberano.
Para a história política, segundo Bobbio, o pensamento lockeano dará suporte aos direitos humanos a partir de sua defesa da vida, da liberdade e da propriedade privada, o que lhe dará o título de pai do individualismo liberal. Em outras palavras, devido as linhas mestras de seu pensamento, o mesmo lançou as bases do Estado liberal.
A meu ver, seguindo o raciocínio de Hobbes, pode-se afirmar que este autor tornou-se precursor de um Estado forte e pragmático a partir de seu governante. Decorre dessa visão, um Estado interventor na sociedade, reificado como o todo poderoso e absolutista a partir da sua legitimação pelo pacto de submissão.
O que mais me chamou atenção na visão de mundo de ambos os filósofos é que, apesar de partirem de pressupostos iniciais semelhantes, especificamente, Locke tem como ponto de partida o consentimento dos indivíduos para se chegar ao governo do Estado e, dessa forma, garantir de vez a propriedade conquistada pelos indivíduos de forma individual. De forma sintética, Locke inicia-se das partes para se chegar ao todo. Hobbes parte de uma “massa amorfa” constituída pelos seres humanos e que somente um ente superior originado de um mínimo de racionalidade humana (o pacto de submissão) poderia dar a forma necessária à individualidade para a existência daquele ente superior. De forma também sintética, pode-se dizer que Hobbes parte-se do todo (uno) para se chegar às partes.
A democracia, tal qual conhecemos, tem a sua base no liberalismo. A respeito dessa colocação, Norberto Bobbio faz a seguinte afirmação: “... o estado liberal é o pressuposto não só histórico, mas jurídico do Estado democrático. Estado liberal e estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais”.
A noção de “guerra justa”, quando o que está em jogo é a propriedade privada, está ligada ao pensamento de Locke.
A propósito dessa noção, Bobbio envolve-se numa polêmica em 1991, através de uma entrevista dada na Itália e publicada pela Folha de S. Paulo em 18-01-91, sobre a Guerra do Golfo Pérsico, onde o Iraque invadira o Kuwait. Naquela entrevista, ele coloca que “... considera justa a guerra contra Saddam.” Dada a repercussão negativa de sua colocação, principalmente entre os pacifistas, ele a reconsidera numa outra entrevista, também publicada pelo mesmo jornal, em 10-03-91. Para tanto, evoca a “ética da responsabilidade” weberiana onde, embora justa, a necessidade de uma guerra deve ser precedida de uma fundamentada previsão de seus efeitos nos dias atuais.
A afirmação do pensamento lockeano através do individualismo liberal será o grande contraponto filosófico para as discussões posteriores em torno da importância do coletivismo Hobbesiano. Resumindo, as discussões girarão em torno de qual paradigma é mais bem adequado aos estudos sobre as sociedades: o que toma como referência o indivíduo (Locke) ou o que toma como referência a sociedade (Hobbes).

Luiz Fernando

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