A Igreja Católica, o militarismo e o movimento
popular
A Igreja
Em relação à Igreja Católica, há que se atentar para o fato de que a mesma insere-se no contexto do colonialismo, já que era parte integrante umbilicalmente dos Impérios Ibéricos. Dessa forma, a atuação da Igreja Católica dava-se como crença pura e simples ou como projeto de dominação em relação às regiões colonizadas, dependendo, assim, do ponto de vista do analista.
Como de praxe, a Igreja Católica, doravante Igreja, na década de 30,
apóia o candidato das oligarquias e membro do Partido Radical Juan Estéban
Montero à presidência da República.
Ricardo Donoso, historiador, frisa que no final da década de 50, no
governo de Jorge Alessandri, havia relação bem articulada das classes
dominantes, executivo como representação das potências dominantes, plutocracia
e Igreja, a despeito do Congresso e das classes populares.
Os autores, a respeito das relações espúrias da Igreja em 1964 com o
poder, colocam: “A Democracia Cristã, partido policlassista, com uma importante
base social pequeno-burguesa, mas dirigido por representantes da burguesia,
tornou-se o melhor instrumento da nova estratégia do imperialismo, abençoada
pela Igreja Católica. Esta, desde o término da Segunda Guerra Mundial, havia
abandonado sua aliança tradicional com a oligarquia latifundiária para dar seu
apoio ao novo que surgia com o predomínio norte-americano na América Latina.
No final da década de 30 surge o Partido Democrata Cristão-PDC ou simplesmente
Democracia Cristã a partir dos ideais do filósofo neotomista Jacques Maritain,
ou seja, à moda da Falange Espanhola. A Democracia Cristã tinha, também, como
fonte de inspiração, as Encíclicas Papais. Dessa forma, repelia os ideais
marxistas e, também, liberais.
O militarismo
O governo de Arturo Alessandri na década de 20, dado a sua atuação contra as oligarquias, faz emergir uma corporação que se tornará permanente na história política do Chile: a juventude militar. Entretanto, uma junta militar, que não era juventude militar, depõe Alessandri e repõe as oligarquias no poder, as mesmas que haviam sido afastadas em 1920. Algum tempo depois, mais precisamente 04 meses, a juventude militar, através de Carlos Ibañez e Marmeduque Grave, consegue substituir a junta militar por outra. Como a juventude militar era apoiada pelos alessandristas, a mesma garantiu o retorno de Arturo Alessandri ao poder constitucional. Dessa forma, houve a promulgação de uma nova constituição que acabava de vez com o parlamentarismo no Chile.
A nomeação do coronel Ibañez para o Ministério do Interior garantiu de
vez a interferência militar na política chilena.
Apesar da nova eleição que levou ao poder oligarquias corporificada em Emiliano
Figueroa, Carlos Ibãnez continua como Ministro do Interior dado a força que
adquirira no governo anterior.
Um ano e meio depois, Emiliano Figueroa renuncia e o coronel Ibãnez, que
era Ministro do Interior, torna-se vice-presidente, cargo que ocuparia a vaga
de presidente dado a renúncia deste, e logo a seguir elege-se presidente da
República em 27 de maio de 1927. Dessa forma, os militares que haviam entrado
na cena política devido a crise de hegemonia dos setores tradicionais,
tornam-se os novos atores permanentes na vida política do Chile.
O agora general Ibãnez torna-se ditador por um período de quatro anos e
cai em 26 de julho de 1931 devido a um grande movimento de contestação militar.
No dia 04 de julho de 1932, devido ao gérmen da doutrina socialista que
se espelhava e a associação desse movimento com o descontentamento de militares
jovens, o brigadeiro do ar Marmeduque Grave proclama a “República Socialista”, que
dura apenas doze dias.
Há na história do Chile, como em todos os países subdesenvolvidos, o mito
de que as forças armadas são imprescindíveis. Dessa forma, a partir de 1924,
com a junta militar que destituiu o presidente Arturo Alessandri, inicia-se os
ciclos de intervenções das forças armadas na vida política chilena através de
intentonas ou conspirações abortadas.
A doutrina Schneider, embora partisse do ideal de respeito à constituição
chilena, não conseguiu deter as intervenções militares na política. Entretanto,
é interessante ressaltar o respeito à ordem vigente de militares como René
Schneider e Carlos Prats, ou seja, uma doutrina profissionalista das forças
armadas.
A articulação conspiratória fez de tudo para minar a doutrina
profissionalista das forças armadas. Entre os seus atos, estava o assassinato
de Schneider e Prats no início dos anos 70. A partir daí, os conspiradores
aproveitaram as desconfianças do corpo de oficiais em relação ao governo de
Allende bem como a formação desses oficiais nas academias dos Estados Unidos.
Em 11 de setembro de 1973, os conspiradores, através do apoio das forças
armadas conseguem tomar o poder no Chile. Salvador Allende é morto no Palácio La
Moneda.
O chefe autonomeado das forças armadas, Augusto Pinochet, torna-se o
ditador do Chile. De início, a ditadura de Pinochet já demonstra a sua vertente
totalitária, ou seja, o fechamento do Congresso, cerceamento das liberdades
democráticas, limitação da justiça, proscrição dos partidos políticos.
O que estava em jogo era o restabelecimento do poder da burguesia chilena
e da “democracia burguesa”, embora, para tanto, houvesse a supressão das
liberdades democráticas no sentido popular e também burguesa.
O movimento popular
A meu ver, a guerra civil de 1891 teve um papel fundamental no sentido de
criar um sentimento de participação popular. Em outras palavras, é um momento
de caos generalizado que se engendra a necessidade da participação de todos,
seja para vencer os oponentes, seja para acabar com o caos corporificado num
ambiente de guerra.
Para exemplificar essa colocação, os próprios autores afirmam: “...O
movimento operário, que já havia dado seus primeiros passos em finais do século
passado começou também a adquirir personalidade própria, conquistando um lugar
destacado na política nacional.”
Dentro desse aspecto sócio-político, a vitória de Arturo Alessandri em
1920 representou a vitória das camadas populares em relação ao poder
oligárquico.
Aliado às camadas populares, estava a juventude militar que impulsionou o
país para a vitória insurrecional de 1932.
A efêmera República socialista proclamada em 1932, que durou apenas 12
dias, é uma demonstração evidente das forças populares no Chile.
A vitória das forças populares, Frente Popular, em 25 de outubro de 1938
demonstra que o veio socialista não era somente efêmero. Nos próximos 20 anos,
o Chile será um dos poucos países do terceiro mundo a ter governos populares
através do sufrágio universal.
Um aspecto interessante na história política chilena, e que também
demonstra desenvolvimento político, é o populismo de Carlos Ibañez ter surgido
com ele e desaparecido com a sua morte.
Também podemos colocar nessa mesma situação o populismo de Arturo Alessandri.
Devido ao processo de acumulação de forças nos setores populares, o Chile
demonstra, através da Unidade Popular, que era realmente uma nação desenvolvida
politicamente. A propósito dessa colocação, o economista Aníbal Pinto afirma
que o Chile tinha uma “...contradição entre uma estrutura econômica
subdesenvolvida e uma organização política avançada...”. A eleição, pelo voto,
do socialista Salvador Allende é uma demonstração do processo de acumulação de
forças dos setores populares.
Conclusão
Em que
pese os possíveis vieses de uma história a partir de uma dada concepção
normativa, fiquei muito impressionado com a história de luta do povo chileno.
As contradições
explicitadas pela superexploração do trabalho nas minas, principalmente, da
guerra civil e do imperialismo e neocolonialismo, forjaram no povo chileno a
capacidade da indignação e consequentemente do caminho a ser trilhado, se
quisessem, de fato, a emancipação ante os grilhões.
O “jeitinho”,
tão característico das negociatas em nosso país, não era suficiente num país
que conheceu a guerra civil. Isso não quer dizer, evidentemente, que a guerra
civil seja uma panacéia. Mas o acirramento das contradições foi o fio condutor
das rebeldias das camadas populares.
Todas as
vicissitudes políticas enfrentadas de forma corajosa pelo povo chileno, a
partir do final do século passado deram-lhe uma característica “sui generis” no
contexto latino-americano: o sentimento de cidadania. Para exemplificar esse
fato, basta citar algumas conquistas desse povo: sufrágio universal desde de
1874, com direito de voto a todos homens, mulheres e analfabetos, que
estivessem inscritos nos registros eleitorais; multipartidarismo; universidade
desde 1842; lei de educação primária desde 1919.
Finalmente, o
que evidencia de forma peremptória o desenvolvimento político do Chile foi a
capacidade de almejar e, de certo modo, conseguir por um período de três anos,
a implantação do socialismo marxista através do voto, dentro da vigência
constitucional. Esse fato, a meu ver, não é somente caso único na América
Latina, mas em todo o mundo “civilizado”.
Luiz Fernando
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