Para analisar a questão da terra sob a perspectiva sociológica,
recorrerei à socióloga Elisa Reis, através de seu trabalho - Brasil: Cem Anos de Questão Agrária.
Elisa Reis, por sua vez, recorre ao trabalho de Albert
Hirschman: Êxodo, Voz e Lealdade. Segundo a autora, Hirschman utiliza dessa
trilogia para estudar a decadência em empresas, organizações e Estados.
“O êxodo refere-se à mudança do objeto de adesão,
enquanto a voz é fundada na ‘lealdade’, que não corresponde necessariamente à
legitimidade. O que a voz sempre envolve é a decisão de permanecer no jogo,
embora as regras possam ser postas em discussão. A lealdade age como uma
inibição efetiva ao êxodo, mas para estimular a voz a lealdade não pode ser a
consequência de um ‘comportamento inconsciente’.”
A
partir de 1964, o regime militar proíbe a existência das “Ligas Camponesas” e
fecha os sindicatos rurais existentes. O Estado autoritário parte de três
orientações básicas para fazer frente ao setor agrário:
1
– inserção do Estado no campo através de agências burocráticas; 2 –
transformação do trabalho camponês em trabalho mercantil; b) transformação das
propriedades agrícolas em modernas empresas agrícolas; 3 – abertura de novas
fronteiras agrícolas.
A atuação do Estado na área agrária, segundo a autora,
leva a uma mudança significativa no modo de vida dos camponeses. Pressionados
pelas mudanças, os camponeses buscam nas novas fronteiras agrícolas, algo que
já fazia parte do projeto militar na época, na tentativa de preservação do
estilo de vida camponês. Entretanto, problemas como “insegurança sobre a posse
da terra e a violência física” continuariam a permear a vida dos camponeses.
A competição nas fronteiras agrícolas entre os camponeses
e as grandes empresas, que em alguns casos eram multinacionais, tornou-se um
problema que passou a envolver outros atores coletivos como sindicatos,
partidos... Nesse sentido, a ocupação
das fronteiras agrícolas acaba por não representar as condições que
fortalecesse o poder dos camponeses.
Se a ocupação das fronteiras agrícolas pelos camponeses
representou o “Êxodo”, a greve nos setores proletarizados das plantações de
açúcar do Centro e do Nordeste representou a “Voz”.
A autora frisa que uma minoria de camponeses, porém muito
significante, conseguiu adentrar a estratégia modernizante do regime militar.
Entretanto, essa minoria assumiu uma nova identidade, qual seja a de
pequeno-burgueses. Há, ainda, referência àqueles cuja situação é ambígua, ou
seja, perderam a identidade na estrutura
social agrária mas não encontraram uma nova identidade social. A meu ver, o
embrião do MST pode ter tido nessa ambigüidade o mote existencial. Numa palavra,
o MST surge do esforço de forjar um novo caráter campesino naqueles que foram
arruinados e/ou que vêem nessa luta a chance de ter uma nova identidade.
Elisa Reis coloca que há no processo de modernização
autoritário o chamado “quase-proletário”, ou seja, aquele que trabalha no campo
e na cidade de forma intermitente. Para a autora, a situação dos chamados
“Sem-Terra”, que foram expelidos do campo em razão da fragmentação do
minifúndio, bem como da ampla utilização de tecnologias no campo, é um novo
problema para o Estado resolver.
Finalmente, a autora afirma que o tema da reforma agrária
é sempre recorrente, mas que fica só no discurso. Dessa forma, o discurso de
que a participação da população rural em percentagem tem diminuído consideravelmente,
como atesta os números em seu trabalho, não lhe tira a importância, já que,
ainda assim, são quase 40 milhões de pessoas que vivem no campo.
Elisa Reis coloca que, apesar dos camponeses terem levado
prejuízo no processo histórico em suas lutas com a elite agrária, há uma
novidade recente: a elite agrária tem se mobilizado politicamente de forma
específica, assumindo uma posição de classe. No passado, seus interesses eram
tidos como problemas gerais da nação.
A criação do Ministério da Reforma Agrária no governo
Sarney, segundo a autora, foi mais uma forma de isolar o processo do que de
realmente resolvê-lo, já que a importância dele na burocracia governamental é
fraca.
Para a autora, o que acontece no Brasil é que os
trabalhadores foram, ao longo de nossa história, sempre manipulados e com
pouquíssimas chances de se rebelarem, utilizando-se da “Voz” nos moldes
convencionais da política, ou seja, excetuando-se o banditismo, o milenarismo...
Dada a política manipuladora feita pela elite agrária, onde o camponês não
tinha direito a “Voz”, o “Êxodo” foi uma estratégia camponesa que não foi
suficiente para mudar a realidade no campo.
Em síntese, a autora coloca que a conquista de direitos
mínimos de cidadania dos camponeses é uma forma que poderá, no exercício da
política enquanto “Voz”, dar-lhes novas esperanças num momento difícil dessa
importante parcela da sociedade.
Luiz Fernando
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