O Brasil teve um inverno bem quente
nas ruas do país neste ano com o grande Movimento de Contestações. Embora ainda
estejamos no calor desta manifestação, mas já dá para dar umas pinceladas
sobre este Movimento.
Os vinte centavos do aumento da
passagem de ônibus em São Paulo tornaram-se o grande mote das manifestações que
deixaram a “intelligentzia” do país atônita e, até prosaicamente, este
articulista. Afinal, se alguém do estrangeiro perguntasse, um dia antes de o
movimento ser iniciado, ao governante de plantão, “como está o seu país?”, a
resposta certamente seria: “tudo como
dantes no quartel de Abrantes”, frase muito utilizada pelo então deputado Ulysses
Guimarães, que faleceu em 1992, em suas respostas sobre as quantas iam o
trabalho na Câmara dos Deputados.
Resposta errada. Um turbilhão de
manifestação eclodiu pelas principais cidades do país e esquentou o inverno e
as cabeças da elite pensante e também dos governantes. Embora ainda haja focos
de manifestações, o grosso do movimento de certa forma se esvaiu. Afinal, o que
queriam aqueles manifestantes oriundos de todas as classes sociais? Exigir a
adoção do passe livre para estudante no transporte urbano? Desestabilizar o
governo central? Desestabilizar os governos estaduais e municipais oriundos de
vários partidos? Acabar com o sistema representativo eleitoral atual? Retirar
da presidência do Senado Federal o condenado presidente? Dar um basta a tanta
corrupção governamental? Fiz o recorte destas questões dentre as várias
abordadas pelo movimento das ruas, para efeito de análise, já que o movimento
era mais amplo em suas reivindicações.
O grande historiador inglês Eric
Hobsbawm, num magnífico artigo, publicado pela Folha de S. Paulo em 12/11/90,
sobre a queda do Muro de Berlim em 1989, colocava como título: “1989, o que
sobrou para os vitoriosos”. Nesse artigo, analisava, ainda no calor da
derrocada do socialismo real, os aspectos nada vangloriosos para os que se
achavam vitoriosos. Em síntese apertada, dizia que somente os países ricos
podiam comemorar. Mas, num curto espaço de tempo, tendo em vista o recrudescimento
social que adviria da “Queda do Muro de Berlim” em 1989.
O Movimento Passe Livre – MPL - foi,
inicialmente, a centelha dos protestos. Contudo, o Movimento de Protestos acabou
tomando vários rumos no ideário e ação pelas maiores cidades do país.
O curioso era que as
reivindicações eram muito variadas. Desde a implantação de Passe Livre no
transporte público urbano à queda de Renan Calheiros da presidência do Senado,
passando pelas reivindicações dos homossexuais, das feministas... E isso deixou
confuso o Movimento em suas reivindicações no sentido de captar o que de fato
movia tanta rebeldia. Como não havia uma liderança ou lideranças de peso nos
moldes tradicionais de se reivindicar, tornou-se difícil o diálogo com as
instituições criticadas negativamente por ele.
Num arroubo de militância de
outrora, Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores - PT
convocou, no calor das manifestações do MPL, os militantes do partido para
também se embrenharem nas ruas. Dizia ele que o movimento não era estranho ao
PT.
Ledo engano. As manifestações são
e eram totalmente estranhas ao PT. Eram estranhas também aos demais partidos.
Mas o PT sempre teve, quando na oposição, um histórico de participação nos
movimentos sociais reivindicatórios.
Dizer, exatamente, o que o
Movimento queria, à exceção do Passe Livre, é fazer um exercício mental
temerário. Contudo, havia um fio condutor nas manifestações: a necessidade das
instituições governamentais e sociais de terem canais mais efetivos na busca de
soluções para os problemas do país.
Se no passado recente, havia o PT,
a Central Única dos Trabalhadores - CUT, MST e seus congêneres para fazer este
papel, atualmente não há instituições que façam esse trabalho de mediar os
conflitos governo/sociedade civil.
E isto se deu porque houve um
aliciamento dessas lideranças, nos últimos dez anos, para fazerem parte do
governo federal a preço de nobres cargos rentáveis. Esta atuação deixou a
sociedade civil sem válvula de escape para os desmazelos da República em todos
os seus níveis de governo. Se esta estratégia funcionou por um período, é claro
que não funcionaria para sempre. A história é sempre traiçoeira com aqueles que
acham que a dominam. Vejo que esta “doce” estratégia petista de calar os
movimentos sociais foi um dos estopins para a eclosão das diversas
reivindicações do Movimento de Contestação. Mas ele não era só contra o PT, era
contra toda forma de administrar o bem público. Era contra os governadores estaduais
de diferentes partidos como PSDB, PMDB...
Outro grande problema que contribuiu para a rebeldia das ruas
foi o fato de o Congresso Nacional
ter se tornado uma espécie de “puxadinho” do Palácio do Planalto. Decorrente disto, a interlocução do Congresso
com a sociedade ficou ainda mais capenga. É bem verdade que o Congresso é
sempre muito pusilânime na mediação com a sociedade civil. Contudo, até esse
aspecto covarde praticamente deixou de existir nos últimos anos.
Sobrou para a imprensa a tarefa de
contestar o estado de coisas que assolam a República. Contudo, a imprensa
também se prima pela parcialidade. Sempre funcionou e funciona na base de
interesses corporativos. E esta é também a razão dela ser objeto de repúdio
pelo Movimento de Contestação e ser chamada pelos adeptos do governo central de
“Partido da Imprensa Golpista” – PIG. Entretanto, os adeptos do atual governo
tem certa razão em repudiá-la. Afinal, ela se tornou o último refúgio de alerta
contra as vicissitudes do poder.
Ora, a imprensa, esta mesma que
deu amplo destaque ao Novo Sindicalismo, ao nascimento do PT, que servia de
base para as denúncias contra os governos anteriores, é agora chamada de golpista.
Ela sempre foi o que é: atua nos interesses de quem paga mais. Ela também não
era tão boazinha para os governos anteriores e nem por isso era chamada de
golpista. Mas, via de regra, a grande imprensa é muito mais a favor dos
governos de plantão do que contra.
O Movimento de Contestação ficará
para história como uma quebra de paradigma na concepção tradicional da política
brasileira. Se, no passado recente, os partidos, sindicatos e movimentos
sociais organizados reivindicavam o elo entre o governo e a sociedade, o
Movimento de Contestação forneceu-nos uma nova forma de reivindicar os nossos
direitos. Trata-se da reivindicação sem a mediação tradicional. Uma espécie de
DEMOCRACIA DIRETA. Se houve excesso aqui ou acolá, são coisas menos onerosas do
que manter uma casta de políticos que se elegem e, uma vez no poder, perdem a
relação com a sociedade civil.
Parafraseando Hobsbawm, o que
sobrou, sobra ou sobrará para os vitoriosos após o inverno das ruas? Num
exercício futurista, sobrará um país em que os jovens ousaram a enfrentar os
poderes constituídos, propondo novas formas de mediações e interações. Eles não
eram e nem são inocentes úteis. São corajosos e chacoalharam a roseira dos
poderes constituídos, dando alento ao GIGANTE ADORMECIDO.
Como herança, as instituições
sociais representativas deverão se adequar aos interesses da sociedade de forma
mais efetiva ou poderão ser engolidas, em breve, por novas rebeliões da
sociedade civil.
Luiz Fernando da Silva
Grande Fernando, excelente seu artigo. Faço votos que o governo reencontre o elo perdido com a sociedade, uma vez que o vácuo criado pode ser preenchido por oportunistas de plantão.
ResponderExcluirAbs,
Ponderado Adimilson! Você tem razão sim. Na história da sociedade, vácuo de poder sempre foi muito pernicioso. Antessala de golpes de Estado sangrentos. Abraços
ResponderExcluirPrezado Luiz Fernando,
ResponderExcluirAcompanhei todo movimento e não consigo ver essa participação popular como algo lúcido, assim como não consigo acreditar que os caras pintadas derrubaram Collor.
Aos meus olhos, não passa de um movimento orquestrado para apimentar a próxima disputa presidencial,colocando Dilma em condições de igualdade no páreo,pois a popularidade era enorme.
O país ainda é do bolsa família.
Aguardemos os próximos capítulos.
Só um detalhe, quem tem José Dirceu do lado, tem uma arma poderosa na mão, analise a seguinte situação, o mesmo viveu com sua esposa por mais de 30 anos, sem que ela soubesse quem ele realmente era, dizem,o que se pode esperar de um cidadão desse perfil.
Prezado Ascânio,
ResponderExcluirO Movimento de Contestação, a meu ver, foi algo que assombrou todo mundo. A oposição ao governo de Dilma não tinha a mínima condição de colocar em xeque a alta popularidade dela à época. A teoria conspiratória da história é algo a se ponderar. Na sociedade há conspiração o tempo todo: para permanecer no poder; para derrubar o poder; para conquistar o poder. Contudo, como diz um grande teórico marxista norueguês, Jon Eslter, ninguém consegue conspirar e ao mesmo tempo obter só dividendos dessa atuação. Há sempre o desvio, o imponderável, etc. e tal. Assim, vejo o Movimento de Contestação nesse aspecto do imponderável na atuação do governo e da oposição. Sobre José Dirceu, ele é "el Brujo" da artimanha. Um exemplo de que a conspiração dele para se chegar ao Planalto, como presidente da República, teve algo de imponderável... a sua queda em desgraça. Como se vê, ele é o próprio exemplo de que a teoria conspiratória da história não é tão competente assim, nem pelo próprio artífice dela, como se pensa.
Boa noite.
ResponderExcluirPara mim, os extremos não vingam, Ze Dirceu é um exemplo vivo.
Uma coisa é fato, Dilma hoje se encontra em pé de igualdade na corrida presidencial, a vantagem de antes, segundo pesquisas, não existe mais.
Como vai ser?.
De novo, quem montar a melhor equipe de campanha, os melhores Dudas Mendonças da vida, assim como aconteceu para com desarmar ou não a população (Leia-se Chico Santa Rita) vai levar.
Nós, povo, ah, povo.