domingo, 18 de agosto de 2013

O INVERNO QUENTE NAS RUAS DO BRASIL



              O Brasil teve um inverno bem quente nas ruas do país neste ano com o grande Movimento de Contestações. Embora ainda estejamos no calor desta manifestação, mas já dá para dar umas pinceladas sobre este Movimento.
              Os vinte centavos do aumento da passagem de ônibus em São Paulo tornaram-se o grande mote das manifestações que deixaram a “intelligentzia” do país atônita e, até prosaicamente, este articulista. Afinal, se alguém do estrangeiro perguntasse, um dia antes de o movimento ser iniciado, ao governante de plantão, “como está o seu país?”, a resposta certamente seria:  “tudo como dantes no quartel de Abrantes”, frase muito utilizada pelo então deputado Ulysses Guimarães, que faleceu em 1992, em suas respostas sobre as quantas iam o trabalho na Câmara dos Deputados.
              Resposta errada. Um turbilhão de manifestação eclodiu pelas principais cidades do país e esquentou o inverno e as cabeças da elite pensante e também dos governantes. Embora ainda haja focos de manifestações, o grosso do movimento de certa forma se esvaiu. Afinal, o que queriam aqueles manifestantes oriundos de todas as classes sociais? Exigir a adoção do passe livre para estudante no transporte urbano? Desestabilizar o governo central? Desestabilizar os governos estaduais e municipais oriundos de vários partidos? Acabar com o sistema representativo eleitoral atual? Retirar da presidência do Senado Federal o condenado presidente? Dar um basta a tanta corrupção governamental? Fiz o recorte destas questões dentre as várias abordadas pelo movimento das ruas, para efeito de análise, já que o movimento era mais amplo em suas reivindicações.
              O grande historiador inglês Eric Hobsbawm, num magnífico artigo, publicado pela Folha de S. Paulo em 12/11/90, sobre a queda do Muro de Berlim em 1989, colocava como título: “1989, o que sobrou para os vitoriosos”. Nesse artigo, analisava, ainda no calor da derrocada do socialismo real, os aspectos nada vangloriosos para os que se achavam vitoriosos. Em síntese apertada, dizia que somente os países ricos podiam comemorar. Mas, num curto espaço de tempo, tendo em vista o recrudescimento social que adviria da “Queda do Muro de Berlim” em 1989.
              O Movimento Passe Livre – MPL - foi, inicialmente, a centelha dos protestos. Contudo, o Movimento de Protestos acabou tomando vários rumos no ideário e ação pelas maiores cidades do país.
              O curioso era que as reivindicações eram muito variadas. Desde a implantação de Passe Livre no transporte público urbano à queda de Renan Calheiros da presidência do Senado, passando pelas reivindicações dos homossexuais, das feministas... E isso deixou confuso o Movimento em suas reivindicações no sentido de captar o que de fato movia tanta rebeldia. Como não havia uma liderança ou lideranças de peso nos moldes tradicionais de se reivindicar, tornou-se difícil o diálogo com as instituições criticadas negativamente por ele.
              Num arroubo de militância de outrora, Rui Falcão, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores - PT convocou, no calor das manifestações do MPL, os militantes do partido para também se embrenharem nas ruas. Dizia ele que o movimento não era estranho ao PT.
              Ledo engano. As manifestações são e eram totalmente estranhas ao PT. Eram estranhas também aos demais partidos. Mas o PT sempre teve, quando na oposição, um histórico de participação nos movimentos sociais reivindicatórios.
              Dizer, exatamente, o que o Movimento queria, à exceção do Passe Livre, é fazer um exercício mental temerário. Contudo, havia um fio condutor nas manifestações: a necessidade das instituições governamentais e sociais de terem canais mais efetivos na busca de soluções para os problemas do país.
              Se no passado recente, havia o PT, a Central Única dos Trabalhadores - CUT, MST e seus congêneres para fazer este papel, atualmente não há instituições que façam esse trabalho de mediar os conflitos governo/sociedade civil.
              E isto se deu porque houve um aliciamento dessas lideranças, nos últimos dez anos, para fazerem parte do governo federal a preço de nobres cargos rentáveis. Esta atuação deixou a sociedade civil sem válvula de escape para os desmazelos da República em todos os seus níveis de governo. Se esta estratégia funcionou por um período, é claro que não funcionaria para sempre. A história é sempre traiçoeira com aqueles que acham que a dominam. Vejo que esta “doce” estratégia petista de calar os movimentos sociais foi um dos estopins para a eclosão das diversas reivindicações do Movimento de Contestação. Mas ele não era só contra o PT, era contra toda forma de administrar o bem público. Era contra os governadores estaduais de diferentes partidos como PSDB, PMDB...
              Outro grande problema que contribuiu para a rebeldia das ruas foi o fato de o Congresso Nacional ter se tornado uma espécie de “puxadinhodo Palácio do Planalto. Decorrente disto, a interlocução do Congresso com a sociedade ficou ainda mais capenga. É bem verdade que o Congresso é sempre muito pusilânime na mediação com a sociedade civil. Contudo, até esse aspecto covarde praticamente deixou de existir nos últimos anos.
              Sobrou para a imprensa a tarefa de contestar o estado de coisas que assolam a República. Contudo, a imprensa também se prima pela parcialidade. Sempre funcionou e funciona na base de interesses corporativos. E esta é também a razão dela ser objeto de repúdio pelo Movimento de Contestação e ser chamada pelos adeptos do governo central de “Partido da Imprensa Golpista” – PIG. Entretanto, os adeptos do atual governo tem certa razão em repudiá-la. Afinal, ela se tornou o último refúgio de alerta contra as vicissitudes do poder.
              Ora, a imprensa, esta mesma que deu amplo destaque ao Novo Sindicalismo, ao nascimento do PT, que servia de base para as denúncias contra os governos anteriores, é agora chamada de golpista. Ela sempre foi o que é: atua nos interesses de quem paga mais. Ela também não era tão boazinha para os governos anteriores e nem por isso era chamada de golpista. Mas, via de regra, a grande imprensa é muito mais a favor dos governos de plantão do que contra.
              O Movimento de Contestação ficará para história como uma quebra de paradigma na concepção tradicional da política brasileira. Se, no passado recente, os partidos, sindicatos e movimentos sociais organizados reivindicavam o elo entre o governo e a sociedade, o Movimento de Contestação forneceu-nos uma nova forma de reivindicar os nossos direitos. Trata-se da reivindicação sem a mediação tradicional. Uma espécie de DEMOCRACIA DIRETA. Se houve excesso aqui ou acolá, são coisas menos onerosas do que manter uma casta de políticos que se elegem e, uma vez no poder, perdem a relação com a sociedade civil.
              Parafraseando Hobsbawm, o que sobrou, sobra ou sobrará para os vitoriosos após o inverno das ruas? Num exercício futurista, sobrará um país em que os jovens ousaram a enfrentar os poderes constituídos, propondo novas formas de mediações e interações. Eles não eram e nem são inocentes úteis. São corajosos e chacoalharam a roseira dos poderes constituídos, dando alento ao GIGANTE ADORMECIDO.
              Como herança, as instituições sociais representativas deverão se adequar aos interesses da sociedade de forma mais efetiva ou poderão ser engolidas, em breve, por novas rebeliões da sociedade civil.

Luiz Fernando da Silva

5 comentários:

  1. Grande Fernando, excelente seu artigo. Faço votos que o governo reencontre o elo perdido com a sociedade, uma vez que o vácuo criado pode ser preenchido por oportunistas de plantão.
    Abs,

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  2. Ponderado Adimilson! Você tem razão sim. Na história da sociedade, vácuo de poder sempre foi muito pernicioso. Antessala de golpes de Estado sangrentos. Abraços

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  3. Prezado Luiz Fernando,
    Acompanhei todo movimento e não consigo ver essa participação popular como algo lúcido, assim como não consigo acreditar que os caras pintadas derrubaram Collor.
    Aos meus olhos, não passa de um movimento orquestrado para apimentar a próxima disputa presidencial,colocando Dilma em condições de igualdade no páreo,pois a popularidade era enorme.
    O país ainda é do bolsa família.
    Aguardemos os próximos capítulos.
    Só um detalhe, quem tem José Dirceu do lado, tem uma arma poderosa na mão, analise a seguinte situação, o mesmo viveu com sua esposa por mais de 30 anos, sem que ela soubesse quem ele realmente era, dizem,o que se pode esperar de um cidadão desse perfil.

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  4. Prezado Ascânio,
    O Movimento de Contestação, a meu ver, foi algo que assombrou todo mundo. A oposição ao governo de Dilma não tinha a mínima condição de colocar em xeque a alta popularidade dela à época. A teoria conspiratória da história é algo a se ponderar. Na sociedade há conspiração o tempo todo: para permanecer no poder; para derrubar o poder; para conquistar o poder. Contudo, como diz um grande teórico marxista norueguês, Jon Eslter, ninguém consegue conspirar e ao mesmo tempo obter só dividendos dessa atuação. Há sempre o desvio, o imponderável, etc. e tal. Assim, vejo o Movimento de Contestação nesse aspecto do imponderável na atuação do governo e da oposição. Sobre José Dirceu, ele é "el Brujo" da artimanha. Um exemplo de que a conspiração dele para se chegar ao Planalto, como presidente da República, teve algo de imponderável... a sua queda em desgraça. Como se vê, ele é o próprio exemplo de que a teoria conspiratória da história não é tão competente assim, nem pelo próprio artífice dela, como se pensa.

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  5. Boa noite.
    Para mim, os extremos não vingam, Ze Dirceu é um exemplo vivo.
    Uma coisa é fato, Dilma hoje se encontra em pé de igualdade na corrida presidencial, a vantagem de antes, segundo pesquisas, não existe mais.
    Como vai ser?.
    De novo, quem montar a melhor equipe de campanha, os melhores Dudas Mendonças da vida, assim como aconteceu para com desarmar ou não a população (Leia-se Chico Santa Rita) vai levar.
    Nós, povo, ah, povo.

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