A
economia, enquanto uma disciplina universitária, insere-se num contexto tênue
entre a área de humanas e a área de exatas. Para a maioria dos economistas,
trata-se de uma disciplina que tem muito mais charme que as que estão
estritamente no contexto de humanas. A propósito, o eminente filósofo Karl Marx
colocava a economia como a base da
sociedade humana. Em outras palavras, para mudar uma dada sociedade era preciso
primeiro mudar a sua base econômica. Entretanto, essa não é a realidade nessa
disciplina, já que a mesma trabalha com expectativas sociais. Outro eminente
filósofo chamado Max Weber pregava uma forma diferente de ver a sociedade. Para
ele, a economia pode ser tão importante quanto as outras esferas eletivas de
uma dada sociedade. Numa palavra, dentre as várias esferas eletivas como a
religião, o militarismo, a política... a
economia poderia, casualmente, ser a mais importante.
Passaram
mais de cem anos e, ainda hoje, deparamo-nos com essa emblemática questão.
Afinal, a economia é ou não é a base da sociedade humana? Para responder a essa
questão, apoiar-me-ei em R. Collins, um sociólogo americano que tem um trabalho
muito interessante chamado “Os Fundamentos Não-racionais da Racionalidade”.
Nesse trabalho, o autor coloca que na verdade existe na sociedade humana um
aspecto denominado de pré-contrato. Em outros termos, toda vez que interagimos
com os outros seres humanos, não está explícito um contrato nos moldes
capitalistas. Existe, de antemão, uma relação de confiança. Como exemplo e de forma geral,
quando vamos a um restaurante e pedimos uma refeição não existe o
pagamento antecipado por esse serviço. O proprietário do estabelecimento dá-nos
um voto de confiança, ou seja, há uma expectativa de que receberá pelo serviço
prestado. Esse aspecto é chamado por Collins como um pré-contrato. Numa
palavra, há uma espécie de irracionalidade no que, no capitalismo, é
considerado como racionalidade. A meu ver, fazendo uma inferência, talvez haja
uma semelhança com o que Marx chamava de relações pré-capitalistas. Collins vai
mais longe: seria impossível haver sociedade se agíssemos somente
racionalmente.
Outro
pensador contemporâneo, o grande Norberto Bobbio, filósofo, que foi senador vitalício
italiano, coloca que, no caso da democracia, existe uma tarefa não
cumprida: a necessidade de se tomar medidas econômicas com a participação dos
cidadãos. Para tanto, o governante não pode, primeiramente, avisar os seus
súditos de que no outro dia vai tomar várias medidas econômicas que afetarão as
suas vidas. Se fizer isso, simplesmente o seu plano não funcionará. Na verdade,
aí reside um fator preponderante de sobrevivência política envolta por um
simbolismo “prático”. A necessidade de se trabalhar com as expectativas da
população em prol de medidas, muitas vezes, amargas, mas que, no frigir dos
ovos, pelos menos em tese, o governante tem como meta a governabilidade e, por
consequência, a melhoria das condições de vida da população.
É
nesse sentido que o ex-presidente FHC, quando colocou um “expert” em economia,
como presidente do Banco Central do Brasil, tinha como intuito, pelo menos a
meu ver, de estancar a falta de crédito do mundo em relação ao Brasil, no auge
da crise econômica dos anos 90. Para muitos, tratava-se de colocar uma raposa
no galinheiro. Afinal, o sr. Armínio Fraga era um auxiliar do
mega-investidor/especulador Georges Soros. Mas o que estava em jogo não eram
apenas números e sim uma questão de pré-contrato, que seria consubstanciado em
futuros contratos. O ex-presidente Lula fez a mesma coisa ao colocar o deputado
federal eleito pelo PSDB, Henrique Meirelles, que fora presidente do Bank of
Boston, como presidente do Banco Central do Brasil. É uma questão de confiança.
E isto é algo do simbolismo.
Passado
o pior, o mundo se rendeu ao sr. Armínio Fraga. Para muitos jornais, ele era um
super economista. Talvez o melhor do mundo. Modesto, o Sr. Armínio colocou que
apenas teria usado do bom senso. Ora, na verdade, o presidente do Banco Central
apenas escondeu o jogo ao não explicitar, ainda que com poucas palavras, a
estratégia do governo de colocá-lo lá. O termo bom senso é tão amplo que todos
nós julgamos tê-lo. É como uma espécie de panaceia. Serve para todas as
situações. Se o segredo é a arma do bom negócio, o sr. Armínio estava com toda
razão ao fingir-se de modesto. O mesmo ocorreu com o Sr. Henrique Meirelles.
Muito tranquilo e sabedor das dificuldades em trabalhar num governo eivado de
ranço contra o capitalismo, geriu o Banco Central, de tal forma competente, que
nem parecia estar num governo desacreditado pelo financeiro internacional nos
primeiros meses de atuação.
Aqui,
fica evidenciado o poder do simbolismo no que tange uma área em que os
economistas estrangeiros, egressos da Universidade de Chicago (EUA), considerada
a meca da economia e, principalmente, do monetarismo, não reconhecem. Numa
palavra, tentam colocar nos seus países de origem, principalmente como cobaia,
aspectos puramente monetaristas.
É
nessa seara permeada pelo simbolismo que uma disciplina como a antropologia,
considerada nos anos 60 como coisa de pessoa frívola, começa a ganhar adeptos.
Isso tem se dado porque numa sociedade complexa não existe espaço para fórmulas
mágicas, acabadas, que não necessitam de aprofundamento nas questões
específicas de cada realidade cotidiana.
A
antropologia trabalha fundamentalmente o universo simbólico de uma dada
sociedade. Nesse sentido, capta como aspectos fundamentais da sociedade humana
aquilo que era considerada como coisas banais, desprovidas de valor, caso
houvesse uma revolução a partir da base econômica.
Como
a sociedade humana não vive sem esse simbolismo até porque, como colocou Baruch
Spinoza, filósofo holandês, todo ser humano tem a sua fragilidade, o desprezar
do simbolismo fez com que várias iniciativas baseadas na realidade somente “concreta”
se esvaíssem. A bem da verdade, o simples fato de acreditar na possibilidade de
uma realidade concreta já é uma espécie de pré-contrato permeada pelo
simbolismo, ou seja, se acredito num projeto é porque um contrato existirá a
posteriori. Entretanto, nada garante que esse projeto, uma vez concretizado em
contrato, seja de acordo com o crédito dado a ele.
Olá primo Fernando. Apesar de não ter familiaridade com os temas do blog, gosto de novidades e já sou mais um dos seguidores. Parabens pelo blog. Abraços.
ResponderExcluirGrande Primo Toninho! Obrigado. O Blog ainda está sendo construído. Assim, entrarei, juntamente com colegas e amigos colaboradores, em temas que nos afligem cotidianamente. Abraços
ResponderExcluir